Lucas Muzel 20/07/2024Equipe pré-modernista e (ainda) otimistaA LJA de Morrison estreia no seu tom mais elevado. Para o bem e para o mal. A arte não envelheceu bem. Parte dos trejeitos dos personagens são um indício do que viria nos anos seguintes: heróis descolados, com frases de impacto e que atuam com naturalidade em eventos de proporções épicas. O próprio Morrison iria repetir essas características na sua fase dos X-men.
Os "benfeitores" misteriosos alteraram o clima do Saara por meio de chuva e incluindo solo fértil e plantando. A pergunta óbvia a seguir seria sobre os padrões climáticos. Há uns 20 mil anos atrás, o Saara era um lago. O vento hoje carrega uma parte da areia até o Amazonas. E seria daí que vem uma parte da nutrição do solo. A desertificação tem muito mais a ver com grandes cordilheiras e a latitude do local. Fazer um tipo de enxerto teria apenas um efeito temporário. Foi esse tipo de coisa que pensei logo no começo. Curiosamente, esses temas seriam tratados pela própria trama posteriormente. Superman usou termos vagos como “equilíbrio ecológico”, mas foi nessa linha. Logo no final da trama, mostram os galhos cinzas no Saara, parecendo que a cidade foi bombardeada. Algo que eu não entendi foram as tais crianças locais, que usavam bermuda e camisas. A área do Saara não é densamente habitada. Bem antigamente tinham os berberes, mas eles não se trajavam dessa maneira. Ficou bem estranho essa parte. Pode ter faltado alguma pesquisa na hora de executar essa cena.
Outro destaque dessa equipe é o Batman nível apelação. Ele criou um dispositivo para que o Superman não o detectasse. No mínimo, tem a capacidade de impedir que seus batimentos cardíacos sejam ouvidos. Mas será que ele também tem algum bloqueio para a respiração? Ou até mesmo o leve som do roçar da sua capa? E ele pensou em alguma maneira de não ser detectado telepaticamente pelo Caçador de Marte? Ou o foco era dar um susto apenas no Homem de Aço? Muitas perguntas no ar a partir de tão poucas falas.
Em certa hora, afirmam que algo sobre a distância entre Rhode Island e a linha internacional de mudança de data, percorrida em mach três, leva pouco mais de uma hora. Bateu a curiosidade de fazer algumas contas. Coloquei as coordenadas de GPS dos dois locais em um site que calcula a distância. Deu 4.934,31 quilômetros. A velocidade Mach 3 é de 3.704,4 Km/h. O que exigiria um tempo de 01 hora, 19 minutos e 55 segundos para ser percorrida. Como vinte minutos se enquadram em “pouco mais de”, o roteirista realmente calculou bem as distâncias.
Há também uma referência à força de Coriolis e a curiosidade sobre a movimentação da água, dependendo de qual hemisfério você está. Tem até mesmo um episódio dos Simpsons (mais ou menos da mesma época) em que o Bart aperta a descarga e nota que a água desce no sentido horário oposto ao dos EUA. O tal efeito Coriolis ocorre em escala macro, e não em privadas ou banheiras. É um mito que é repetido há muito tempo. No contexto da história, só aconteceria se a Mulher-Maravilha se presenciasse com um tufão épico.
A batalha entre Flash x Zum foi bem legal. Resgatou parte da essência da Era de Prata dos quadrinhos, onde davam um verniz científico para os poderes. Em termos puramente físicos, não seria exatamente dessa maneira. Mas o mais relevante é que foi um Mega Soco, percorrendo a Terra diversas vezes para acumular energia. É praticamente uma cena épica de anime.
Fora isso, tem também outros pontos que são enfatizados na história. Há o contraponto do “Batman é apenas um humano”. Nessa formação da LJA, ele está em um nível apelação maximizado. Derrotando um punhado de marcianos brancos usando apenas o preparo.
Há também uma leve troça sobre o Aquaman apenas conseguir falar com peixes. Tem uma menção anterior do Aquaman ser um nível mais restrito de telepata. Aí a habilidade acaba sendo levemente forçada, transformando-o em um tipo de telepata poderoso, pois poderia derrubar quase qualquer ser humano somente pensando.
Por fim, há a discussão sobre o papel dos super-heróis. Se eles sabem o que é melhor e podem fazer o melhor, por que não se tornam os reais protetores dela? É uma implementação bem rasa em comparação com o que foi feito em “Entre a Foice e o Martelo”, e bem menos exagerada, ao compararmos com The Authority. O Superman da LJA do Morrison responde que a humanidade deve ser apoiada, e não guiada como rebanho. A boa fé e a esperança de que a humanidade achará o caminho por si própria. Chegando bem perto de formular toda a questão de livre arbítrio ligada com as religiões. A posição dos marcianos brancos seria o padrão nas HQs dos próximos anos, onde herois descolados assumiriam o poder, pois a humanidade é um lixo irrecuperável, ninguém presta, niilismo impera. Já Morrison sempre termina com uma nota levemente otimista. Ele faria algo um pouco mais trabalhado em “DC Um Milhão”, e atingiria o seu ápice (até agora) em Grandes Astros Superman.
Em uma das histórias de Arquivos Secretos, é dito que os humanos não estavam mais interessados em funerais de super-herois, e isso já em 1997. A situação não mudou muito nas histórias seguintes, com eternos reboots, mortes e retornos. A imagem do cemitério mostra estátuas para o Metamorfo, o Flash, o Arqueiro Verde, Terra e Homem-Hora. Com exceção dos dois últimos, todos realmente voltaram dos mortos.
Mesmo após ter sido recém formada, a LJA se expande. Há uma preocupação de parecer ser uma equipe inclusiva e progressista (para os padrões da época).. Parece alguns integrantes indicaram alguns candidatos. Deduzo que Superman indicou Supergirl e Aço. A trama aponta que Lanterna Verde indicou Arqueiro Verde e Aztek. A dúvida que fica no ar é quem indicou o Hitman? Provavelmente ninguém. Ele deve ter aparecido com um propósito bem específico, recusou clarificações, e foi-se embora.
Já outra história mostra que os candidatos tomaram um baita chá de cadeira. Pois antes o novíssimo Superman Elétrico foi testado exaustivamente, e oficialmente aceito como integrante. Na época, o venderam como “um novo heroi para um novo milênio”. Era uma nova tentativa de inserir o Superman nos anos 90, mesmo que já estivesse perto do fim dessa década. E nessa Grant Morrison foi forçado a ter um personagem totalmente diferente logo depois de encerrar o primeiro arco do seu novo título mensal. Isso ocorreria novamente com a Mulher-Maravilha, que seria trocada pela sua própria mãe.
A história curta da Mulher Do Amanhã é interessante. Se trata mais sobre a rivalidade de dois cientistas malignos que tem uma estranha especialização em construir seres artificiais. A redundância de personagens da DC foi usada de maneira positiva.
No geral, esse arco dos marcianos brancos continua divertido. O material está claramente puxando para o pós-modernismo que viria em poucos anos, mas tem a voz do roteirista para manter um tom otimista. Se outro desenhista assumisse a tarefa, o resultado final poderia ser ainda mais elevado.