Toni 18/04/2024
Leituras de 2023
Fome azul [2022]
Viola di Grado (Itália, 1987-)
Dublinense, 2022, 192 p.
Trad. Eduardo Krause
Fome azul integra aquela linhagem de romances onde luto e deslocamento representam as duas facetas de um mesmo processo, seja este de cura ou de desintegração. Uma jovem professora de italiano perde seu irmão gêmeo, embarca para Xangai e lá descobre (ou se apaixona, o que é dizer o mesmo) a misteriosa Xu. A despeito do clichê imenso por trás desse último elemento — a personagem turva, elusiva, que protagonistas tentam a todo custo capturar para descobrirem-se a si mesmos nessa busca — a narrativa de Di Grado traz uma abordagem do tema sem conclusões muito óbvias e tampouco trilhando caminhos demasiado gastos.
Num primeiro momento, Fome azul é um romance sobre processos depressivos e a crise identitária (desinteresse pela vida e por si mesmo) que amiúde acompanham a perda de alguém a quem dirigíamos nosso afeto. Em última análise, corroborando com a primeira impressão, é um livro sobre o quanto nos formamos e deformamos a partir da interação com o outro (e sua ausência), dentro de uma chave de escrita experimental em que o corpo é o ponto de clivagem entre espaços, linguagens e prazeres.
E por falar em espaços, a representação de Xangai é um dos pontos altos da obra. Aqui, a cidade atordoante é representada em constante transformação, uma besta caleidoscópica feita de concreto e neon, sabores e subterfúgios. Em um mesmo parágrafo, a autora logra construir e desconstruir o cenário em descrição, levantando paredes e as caracterizando para logo em seguida anunciar o incêndio que as consumiu décadas atrás, as reformas que sobrevieram, os momentos em que um determinado espaço foi cinema, boate ou repartição pública até colapsar matando um pedestre. Uma cidade que de fato se move e se transforma com e pela personagem narradora. Corpo-narrativo faminto em busca de amor; narrativa-corpo que se oferece, alquebrada e inconclusa, à nossa busca por sentido num mundo cada vez mais indiferente às fomes que carregamos.
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