Cássio Cipriano 05/02/2024Um belo exemplo de como a revolução na literatura começa pelo cenário independente.Nessa história, a autora brinca muito com significados e sentidos de termos que já conhecemos, mas que aqui ganham outros sentidos. Para ter uma ideia, o tempo aqui não é medido em dias e horas, e sim ciclos e barras. Não há pai, mãe e filhos, existem Cari e Caridro, termos sem gênero que são utilizados para indicar relações familiares, e estes são alguns poucos exemplos que estou citando, pois essa história é um prato cheio para quem gosta de semiótica. As sociedades que a Fátima criou aqui têm uma organização própria, e tudo o que é comum para nós, na nossa cultura, acaba sendo ressignificado de alguma forma.
Por se tratar de uma obra afrofuturista, diversos aspectos das vivências de pessoas pretas são exaltados. A autora subverte padrões ao trazer a cor preta, comumente associada a coisas negativas, para um contexto de valor e importância em vários elementos da sua história. Talvez o maior exemplo seja que os habitantes do Tudo vivem na escuridão e a claridade é letal para eles, e uma das coisas que eu mais gostei é que o cabelo é algo vital para eles. Todas as pessoas nesse território usam dreads e eles têm vida própria, se movimentam, funcionando como membros do corpo, uma espécie de tentáculos, inclusive, sangram se forem arrancados. Eu achei isso fantástico e tão potente, pois a autora pegou um símbolo de luta e resistência no movimento negro (o cabelo) e colocou na sua história como uma parte do corpo vital pros seus personagens.
Para finalizar, quero dizer que esta é uma história densa, narrada em linhas temporais diferentes, que vão se cruzando ao longo da narrativa, e isso faz com que o leitor teorize muitas coisas. Fiquei pensando sobre os acontecimentos durante todo o meu tempo de leitura, tive sonhos com essa história, ela não saiu da minha cabeça em nenhum momento. O começo da leitura pode parecer confuso, mas com o avançar das páginas, tudo vai fazendo sentido e o final é surpreendente, de explodir a cabeça.
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