Natasmi Cortez 03/10/2024Maldita está sozinha, e talvez seja esse o preço que pagamos por ser quem queremos ser, quando ousamos ir contra tudo o que nos foi imposto. Para que sua jornada seja ainda mais solitária muitos são . Os adjetivos utilizados para nomeá-la são terrivelmente acusatórios, vexatórios e crueis e tem como propósito deixá-la ainda mais isolada. Aquelas que não se importam com a má fama, temem ser amaldiçoadas. Tantos impropérios para uma única menina, sua existência que causa um furor desproporcional em uma comunidade fascista, classista e religiosa, são a prova do quão assustadora para o sistema pode ser uma mulher que se rebela.
Maldita é uma menina comum nessa história, mas também é uma metáfora para todas as mulheres que se erguem contra aquilo que as oprime. Relegada ao ostracismo ela é um exemplo de força, mas também é utilizada como exemplo quando nos mostra que o futuro de uma mulher que toma as rédeas da própria vida é incerto, solitário e doloroso. A vida nunca foi justa com as mulheres, ainda mais com as mal ditas.
A amiga maldita é uma leitura poderosa, que nos enche de esperança, dor e resignação. Não existe caminho fácil, nem todo final será feliz, nem sempre teremos companhia na jornada e nem sempre chegaremos ao nosso objetivo intactas. Mas certamente faremos história, nosso exemplo falará mais alto que mil discursos, nossas vozes ecoarão mesmo que nos lugares mais remotos.
A narrativa é permeada por uma infância corrompida em meio ao gueto, sobre ser criança em meio à uma guerra, sobre ser mulher mesmo sendo apenas uma menina. As aventuras infantis perdem o tom doce da idade quando confrontadas com uma realidade implacável: a miséria.
O tom do texto é pesado, amargo e causa angústia, mas também comove quando mostra o quão poderoso pode ser o afeto na vida de alguém que carece dele.
Sobretudo, A amiga maldita é um livro que fala de amor. Um amor que transcende toda dor e medo. Não fica claro se aqui o amor é fraterno, ou se anda de mãos dadas com eros. Talvez na trama não houvesse espaço para esclarecimento, talvez o culto ao bem querer fosse mais importante que dar nomes aos sentimentos. Uma leitura agridoce, que nos revolve o âmago e faz refletir sobre a importância da amizade.
Talvez o único excesso aqui seja a clareza do diálogo. Ao optar por entregar falas explicitamente feministas, a autora tira um pouco do leitor a mágica da interpretação própria. É como se entregasse de bandeja o ponto alto da trama, que é justamente o ler nas entrelinhas. Tá ali, escancarado e meio que se torna uma frase de efeito, que perde o efeito justamente por ser tão escancarado. Um pouquinho mais de maturidade no comunicar, teria feito desse livro um 5 estrelas pra mim.