Povoemas e outras nascentes

Povoemas e outras nascentes Nadja Rodrigues de Oliveira




Resenhas - Povoemas e outras nascentes


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alineaimee 31/10/2024

O ovo é o dom da perda
Foi preciso tomar tempo com a leitura de ?Povoemas e outras nascentes?, pois me senti diante de uma espécie de cerimônia. Nadja Rodrigues de Oliveira descreve, poeticamente, um movimento de entrega, em que atuam vida, desejo e contato. Apresenta o ato de escrever como uma missão delicada de observação: contemplar os mistérios, mas também participar deles. Submissão e manipulação entrelaçadas. Devoção, que convoca a escrevente a introduzir mãos e olhos num lugar-entre: a fenda, a brecha, a ruptura na perfeição esférica do ovo.

A devoção ao ovo parte do reconhecimento do erotismo como força fundamental. Ali, conjugam-se a promessa, o indefinido, a fragilidade e o desfazimento que dá origem ao viver, à transformação. Na gema que escorre da casca está anunciada a água que molda a pedra, assim como os sentidos que escapam da palavra.

Ao acolher como referências tanto Clarice Lispector (o ovo) quanto João Cabral (a pedra), a poeta reconcilia duas consciências ? a do espanto e a do método ?, numa atitude que recusa binarismos e separações. Tal como o movimento da escrita na página, é o processo que se descortina nestes versos. E Nadja o põe em evidência ao dispor os títulos em folhas diferentes das dos poemas, e no manejo que faz dos enjambements, convidando-nos a perceber, a um só tempo, o avanço das ideias e suas variações. Face a diferentes caminhos, somos instigados à releitura, que pode guardar algo de novo. Tais alternâncias se revelam intencionais se atentamos aos objetos investigados: ovos, ostras, laranjas e pedras ? intercalados, são como indícios do que está velado, são como oráculos. Runas, donde a força dos aforismos (?o ovo é a véspera da forma?; ?o ovo é o dom da perda?).

?Povoemas e outras nascentes? propõe um ritual onde a música que se entoa ?escreve o espanto no corpo? e onde ?o sonho da palavra cesura o corpo indizível?. Cintilações que se dão em brevidades no tempo e em algum lugar acima dele, por trás dele. Pronto à ruptura, o poemovo nos abre passagem. Dá entrever o inesperado, algo em mutação.
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