A surdez

A surdez Carlos Skliar




Resenhas - A surdez


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fl.gil 15/09/2024

Nídia escreveu um trabalho onde teve como objetivo principal a “identificação de argumentos”, eram relatos de atores do processo educacional de surdos, os alunos surdos intérpretes e professores de Libras, entende-se que não há dúvida de que os surdos é o protagonista nessa relação, os quais contribuem para a defesa da abordagem da educação bilíngue. Foram entrevistadas 53 pessoas sendo 22 profissionais atuantes na área da Educação de Surdos e 31 adultos surdos. Diante dos relatos, a Nídia identificou os aspectos principais que foram relatados, ela pediu para que esclarecessem cada opiniões sobre a abordagem educacional que os mesmos consideram mais adequadas para os surdos, ela organizou os argumentos dinamicamente para expor os assuntos. Dentre as entrevistas, a autora escolheu uma de um surdo de 37 anos Instrutor de Libras professor de uma escola municipal do Rio Grande do Sul que denominou por “R” no texto.
A autora faz uma apresentação diante do seu ponto de vista sobre a importância dos estudos sobre a argumentação no contexto da pós-modernidade ela faz uma breve das perspectivas pós-moderna no contexto de discurso e argumento acreditando que os estudos sobre argumentação encontram maior apoio numa perspectiva teórica pós-moderna que por essa visão, não se busca a demonstração, mas a forma argumentativa diante dos fatos. Entendendo que esses fatos não falam por si sós, é de discurso em discurso, de experiência repassada pela linguagem a qual possa ser valorizada como aquilo que dá sentido ao homem e ao mundo. O ser humano após a virada linguística passa a ser visto como produto de infinitos discursos que atravessam e os instituem. Compreendemos que a pós-modernidade é um movimento filosófico e cultural que surgiu como uma reação às ideias da modernidade. Um dos principais objetivos da pós-modernidade é desconstruir a ideia de “discursos verdadeiros”, ou seja, desconstruir a noção de que existem verdades absolutas e universais. A pós-modernidade propõe que existem múltiplos discursos e significados, cada um construído de acordo com os interesses de diferentes grupos sociais. Na análise pós-moderna, a realidade é vista como uma construção representacional, onde a linguagem desempenha um papel central. A “virada linguística” que a autora trabalha no capítulo refere-se a essa valorização da linguagem como o meio pelo qual o ser humano dá sentido ao mundo e a si mesmo. Assim, o ser humano é percebido como um produto de inúmeros discursos que o atravessam e o constituem.
A entrevista exposta parte da seguinte questão: O que você acha melhor para a vida do surdo: oralismo, comunicação total ou bilinguismo? Para esclarecermos esses três pontos:
O oralismo como abordagem de ensino das pessoas surdas. Sabemos que foi no II congresso de Milão, na Itália, que foi palco de grandes discussões sobre o melhor método de ensino para as pessoas surdas. O método vencedor foi o oralismo, pois contou com poucas oposições, principalmente devido à quantidade reduzida de educadores surdos presentes no evento.
A comunicação total como abordagem de ensino das pessoas surdas. Para Lacerda (1998) a abordagem de ensino na educação dos surdos que ganhou impulso nos anos 1970 ficou conhecida de Comunicação Total, e defendia um ensino com uso de sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital com o objetivo de inputs linguísticos para estudantes surdos. Nessa nova abordagem de ensino os estudantes poderiam ficar à vontade para expressar-se nas modalidades preferidas, ou seja, nas línguas orais, ou língua natural, ou com as duas de forma simultâneas.
O bilinguismo como abordagem de ensino das pessoas surdas. A proposta educacional bilíngue, ou seja, Bilinguismo se diferencia do Oralismo porque considera o canal viso gestual de fundamental importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se à Comunicação Total porque defende um espaço efetivo para a língua de sinais no trabalho educacional e, portanto, advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo mantenha suas características próprias e que não se misture uma com a outra. A educação do surdo mediante a abordagem Bilíngue deve acontecer da seguinte forma: aquisição da língua de sinais (L1) e da língua portuguesa (L2) não de forma simultânea, mas primeiro a aprendizagem pela criança surda da L1 para e só depois adquirir a L2. Porém a L2 seria na modalidade escrita, e quando possível na modalidade oral.
Portanto a autora apresenta o relato do Surdo, denominado por “R” diante da questão:
R: Há muitos anos não tinha sinais, era apenas o oralismo. Havia discriminação do surdo e da Língua de Sinais. O surdo com oralismo fica muito magoado, fica muito sentido, porque ele é muito autoritário... Mesmo com a comunicação total o surdo ainda não se soltou, não colocou para fora, não se desenvolveu. Para a família do surdo era uma boa comunicação total, mas para o surdo mesmo, o melhor era a língua de sinais. Aqui em Caxias falta o envolvimento da família do surdo, a família é muito isolada. Os filhos são surdos, os pais ouvintes... não combinam as ideias dos pais com os filhos. Agora as portas estão se abrindo para o bilinguismo. O surdo está mais feliz. Não tem mais medo do oralismo. O surdo não conhece o bilinguismo ainda, profundamente. No Brasil o pessoal está meio inseguro com o bilinguismo. Acreditam no bilinguismo, mas todo o mundo está preocupado. O mundo todo está vendo que o oralismo não está dando certo e que o surdo está sofrendo. Não tem ainda uma cultura própria, então, tem muita luta ainda pela frente, por muitos anos. Entrou a comunicação total e os alunos parecem uns soldadinhos: repetindo tudo o que o professor acha bonito. O bilinguismo precisa de mais estudos, pesquisas. Precisa estudar mais sobre o bilinguismo, o que é próprio da cultura surda e da língua de sinais. O bilinguismo aumenta a visão do surdo, aumenta a cabeça, faz com que questione os porquês das coisas. A comunicação total nunca perguntou, nunca perguntou. No oralismo isso nunca aconteceu. O bilinguismo agora está unindo as pessoas. As pessoas estão pensando no futuro, estão se interessando, estudando, pesquisando, errado, todo o mundo estava errado: a comunicação total era a melhor, todo mundo defendia... Eu quero orientação, todo mundo precisa de orientação, porque as pessoas não querem que continue tudo ruim. Se eu fosse vereador, faria três escolas: a do oralismo, a da comunicação total e a do bilinguismo, então o surdo poderia escolher. Vou dar um exemplo de uma família de pais ouvintes: a família iria acabar se dividindo, porque o pai iria querer o oralismo porque acha que é o mais correto, a mãe vai achar bonitinha a comunicação total... A mãe acha legal, né?... É uma coisa diferente porque é mais moderno e famoso. Mas a filha, que é surda, se sente melhor, seu sentimento... seu jeito próprio... se sente melhor no bilinguismo. Então, cada um vai para um canto diferente, então o que vai acontecer? A família vai se separar.
A resposta do surdo revela várias camadas de experiência e opinião pessoal. Analisando os principais pontos:
Histórico e Discriminação: O entrevistado menciona que, no passado, o oralismo era a única opção disponível e que havia discriminação tanto contra os surdos quanto contra a Língua de Sinais. Isso sugere uma história de exclusão e marginalização.
Impacto Emocional do Oralismo: Ele destaca que o oralismo causa mágoa e sentimentos negativos nos surdos, descrevendo-o como autoritário. Isso indica que o oralismo não atendia às necessidades emocionais e comunicativas dos surdos.
Comunicação Total: Embora a comunicação total tenha sido vista como uma melhoria, o entrevistado acredita que ainda não permitia que os surdos se expressassem plenamente ou se desenvolvessem. Para as famílias, parecia uma solução bonita, mas não era a melhor para os próprios surdos.
Importância da Língua de Sinais: O entrevistado enfatiza que a Língua de Sinais é a melhor forma de comunicação para os surdos, pois permite uma expressão mais completa e autêntica.
Bilinguismo: Ele menciona que o bilinguismo está começando a ser mais aceito e que os surdos estão mais felizes com essa abordagem. Unidade e Futuro: Ele observa que o bilinguismo está unindo as pessoas e que há um interesse crescente em estudar e entender melhor essa abordagem. No entanto, reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer.
Necessidade de Estudos e Pesquisas: O entrevistado acredita que é necessários mais estudos e pesquisas sobre o bilinguismo e a cultura surda para que essa abordagem seja plenamente compreendida e implementada.
Escolha e Diversidade: O entrevistado sugere que deveria haver opções para que os surdos possam escolher entre oralismo, comunicação total e bilinguismo, reconhecendo que diferentes famílias podem ter preferências diferentes.
Impacto na Família: Ele dá um exemplo de como diferentes abordagens podem causar divisões dentro de uma família, destacando a importância de encontrar uma solução que atenda às necessidades de todos os membros.
Entrevistadora: O que você prefere: uma escola de ouvintes e surdos juntos ou uma escola especial só com surdos?
R.: Eu fiz o segundo grau (atual Ensino Médio) numa escola comum, conheço bem isso. Eram poucas as pessoas que vinham conversar comigo. Com muitas pessoas ouvintes é como se fosse um estrangeiro, falando inglês. Pode, no futuro, até haver uma integração entre surdos e ouvintes, mas, o importante é que os ouvintes aprendam os sinais. É o respeito à cultura dos surdos. Quer dizer , não que seja contra a integração, não é isso. Não é proibida a integração. Por exemplo: no segundo grau tem que aprender inglês: por que não pode aprender a língua de sinais? Espero que no futuro haja a comunicação entre ouvintes e surdos de modo que ele possa se comunicar, por exemplo, com qualquer pessoa ouvinte na rua, na escola, na família, na sociedade, em qualquer lugar, numa dança, numa boate, no carnaval... e cumprimentar as pessoas se comunicando em sinais. Que todos os ouvintes também conheçam a língua de sinais para poder se comunicar... Haver comunicação é importante. Então, não que a integração não seja importante... é importante, mas que os ouvintes aprendam a língua de sinais para no futuro todo o mundo sinalizar uns para os outros, na rua, em qualquer lugar: numa loja, num bar, numa boate, numa discoteca... Mas a língua de sinais precisa ser oficial. Quero que as pessoas ouvintes não tenham vergonha de sinalizar, nem preconceito, nem medo de errar. As pessoas ouvintes precisam sair do seu comodismo; elas preferem ficar com o seu mundo de ouvintes porque é mais fácil, não precisa aprender sinais. Elas têm medo de errar os sinais, elas não querem, de repente, se expor ao ridículo...
Esse discurso revela a experiência pessoal, importância da língua de sinais, integração e respeito, visão de futuro, oficialização da língua de sinais, desafios e comodismo dos ouvintes e necessidade de mudança cultural. Ele acredita que, com esforço e respeito mútuo, é possível criar um ambiente onde todos possam se comunicar e interagir de maneira igualitária e respeitosa.
A importância do estudo do texto argumentativo de um surdo
O texto do surdo é um texto argumentativo. Se considerarmos que argumentar é agir, podemos dizer que é um texto de ação. Em todo o tempo ele estabelece comparações entre abordagens educacionais diferentes e até opostas. Nídia apresenta autores que sustentam o termo “argumentação” que só pode intervir quando a evidência é contestada (PERELMAN apud DE GIMENO, 1986). No entanto, "para haver argumentação é necessário que um determinado contexto seja propício para que alguém possa ou queira persuadir alguém a respeito daquilo em que não há acordo... (De Gimeno, à 1986), e, considerando que os surdos são "silenciados" por tanto tempo, sofreram até mesmo violência institucional contra sua língua e cultura, cabe aos profissionais da educação contribuírem para propiciar momentos de discussão, em que os argumentos dos surdos tenham também peso e poder. Essa situação é sustentada por fatores sociológicos e históricos. Estudos sobre discursos revelam que o sentido das palavras é construído no contexto dos discursos em que estão inseridas, e não é inerente a elas. Por isso, há uma luta em torno do sentido da palavra “deficiente”, contra a qual os movimentos surdos estão se posicionando. Os surdos não rejeitam a surdez, mas sim a ideia de que são deficientes por não ouvirem. Eles resolvem essa questão através de uma leitura visual do mundo.
A autora discute a preferência dos surdos por escolas especializadas e a percepção de que suas opiniões não são consideradas nas decisões políticas, apesar do artigo 208 da Constituição Federal que favorece a inclusão em escolas regulares. Perelman é citado para destacar que a argumentação depende do que é socialmente aceito como verdadeiro e válido. A conclusão é que muitos acreditam que, se a lei diz algo, então é o correto, reforçando a conformidade com a ordem estabelecida.
O texto aborda a importância da argumentação na defesa da educação bilíngue para surdos, destacando a necessidade de utilizar a linguagem persuasiva dos próprios surdos. Perelman é citado para enfatizar que a arte de argumentar envolve a adesão a teses confrontadas, influenciando o indivíduo a agir. No Brasil, há uma tendência a valorizar o bilinguismo, mas ainda falta conhecimento sobre os fundamentos teóricos dessa abordagem, que considera a identidade, a língua e a cultura surdas como centrais. A argumentação é regulada por quem detém o poder, o que explica por que os surdos, como minoria oprimida, não têm seus argumentos devidamente considerados.
Analisando o texto argumentativo
Discute como os surdos utilizam o argumento pragmático, que avalia atos e regras com base em suas consequências, para defender suas preferências educacionais. Além disso, os surdos empregam outras técnicas argumentativas, como a sinonímia, que repete ideias com termos diferentes, e o pseudo discurso direto, que atribui palavras fictícias a outras pessoas para ilustrar pontos de vista. Essas estratégias são usadas para reforçar a importância do bilinguismo, que é visto como mais benéfico para o desenvolvimento dos surdos em comparação com o oralismo e a comunicação total.
Analisando a proposta de abordagem educacional bilíngue para a educação de surdos.
Analisa a proposta de educação bilíngue para surdos, destacando a disposição dos profissionais para essa mudança, mas também o desconhecimento das implicações reais. Muitas escolas se definem como “bilíngues” apenas por permitirem a comunicação por sinais, sem uma proposta pedagógica clara para a aquisição precoce da língua de sinais. A abordagem bilíngue requer uma reestruturação profunda que inclui a formação da identidade surda, a participação da comunidade surda adulta, e a redefinição dos objetivos pedagógicos e das estratégias de avaliação.
Analisando a questão da escola.
O texto defende a criação de escolas regulares para surdos que utilizam a língua de sinais e reconheçam a condição diferenciada dos surdos. Argumenta que a imposição de um processo educativo que nega a língua natural dos surdos leva ao fracasso e à exclusão. Crítica às escolas especiais que tratam os surdos como deficientes e não valorizam sua identidade. Afirma que os surdos têm direito a uma escola significativa, com um ambiente linguístico apropriado para a aquisição natural da língua de sinais e que valorize sua identidade.
CONCLUSÃO
O texto tem como objetivo mostrar como uma análise discursiva pode enriquecer as afirmações sobre as vozes, especialmente no contexto dos surdos. Destaca que, embora sejamos influenciados por outros discursos, é importante trazer à tona as vozes dos surdos, que devem ser legitimadas por sua condição única. A autora busca desempenhar as vozes presentes nos discursos sobre educação, sem se identificar com o pós-modernismo, mas reconhecendo as influências sociais e históricas nos discursos. O texto se inscreve na luta pela legitimação do discurso surdo e pede à escuta dessas vozes para promover uma sociedade mais justa.
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