Ebenézer 25/07/2020
Foram quase três mil páginas caminhando, cavalgando, guerreando, amando, sofrendo e, por que não, morrendo com as aventuras das famílias Terra e Cambará.
(Tentarei rascunhar apenas uma página em uma pobre homenagem a Érico Veríssimo.)
Guerra e Paz de Tólstoi é uma excelente narrativa e disso poucos duvidam.
O Tempo e o Vento de Veríssimo também é uma aventura ainda mais longa, e tão excelente quanto à de Tólstoi, só que melhor....
Leitor dessas duas longas narrativas, a russa e a brasileira, me sinto à vontade para gostar de ambas e até mesmo preferir a nacional.
Dito assim de forma apressada, 'O Tempo e o Vento' pode parecer algo simples. Mas não é...
O Tempo e o Vento tece um feixe narrativo em sete volumes formando um todo único e indivisível:
- O Continente I, 415 páginas
- O Continente II, 495 páginas
- O Retrato I, 413 páginas
- O Retrato II, 368 páginas
- O Arquipélago I, 384 páginas
- O Arquipélago II, 376 páginas
- O Arquipélago III, 488 páginas
Um universo de muita ação, muita história política, muita filosofia, muita reflexão e muita vivência humana em sua mais dura e crua realidade.
Veríssimo tem um jeito bastante peculiar de narrar a saga das famílias Terra e Cambará na formação do povo gaúcho riograndense com reflexos importantes que se espraiam no contexto nacional.
A narrativa de Veríssimo não é uma trajetória linear e progressiva na qual o leitor possa se sentir seguro na sucessão dos fatos, como se isso fosse natural esperar. Veríssimo transgride essa expectativa.
Fica evidente na obra que o autor prioriza o foco narrativo num movimento bastante dinâmico que se assemelha às ondas do mar, ou como o vento, já que o tempo parece um vetor inamovível.
Como as ondas e o vento são indomáveis, a narrativa, num vai-e-vem constante, vai influenciando a percepção do leitor fazendo-o experienciar a vitalidade das personagens em episódios atemporais.
Nenhum leitor fica incólume às asperezas do tempo, tampouco do vento, que sopram em cada personagem, e cujas agruras saltam das páginas de Veríssimo para fazer parte das nossas próprias experiências.
Como negar que das peripécias na política pouco evoluímos? Como negligenciar os ainda modestos avanços do espaço feminino? Seria irrelevante constatar que o patriarcado ainda encontra fortes vínculos na cultura nacional? Ou não reconhecemos ainda em versão sofisticada as chinocas, as Laurindas e os Bentos? Quem não conhece ou vivenciou grandes paixões frustradas?
O Tempo e o Vento proporciona ao leitor infindáveis momentos de pura reflexão sobre a vida em sua plenitude que abrange aspectos da nossa intimidade que preferimos deixar às sombras em sua quietude, mas que estão lá, aguardando que as enfrentemos com coragem e serenidade.
Como o passar de uma grande lanterna o autor vai iluminando subterrâneos das personagens que são também os nossos como leitor.
Como esquecer personagens fortes como Rodrigo e Toríbio Cambará, Floriano, Jango, Roque Bandeira, Maria Valéria, Silvia e Flora?
Para sempre os teremos conosco porque sobre eles nem O Tempo nem o Vento apagarão do nosso imaginário.