Brunov 01/04/2022
Romance de formação
Dickens já com certa carga da vida, mas sem peso no seu horizonte olha seu passado e misturando fatos e sentimentos constrói uma narrativa de ressignificação da própria vida numa jornada heroica de seu ego, David Copperfield, contada com muita sensibilidade e meticulosidade, muito embora haja um declínio da qualidade geral ao chegar na escola e a razão é que suas referências espontâneas, que muito ampliam os cenários, apesar de bem realistas, tornam todos superficiais, como o próprio Davy amadurece, tal sendo apenas o Ego de Dickens.
Sua Id, em sentido freudiano, ou Sombra, em sentido Junguiano, é menosprezada de forma irreconciliável no desligitimado Uriah Heep, denotando assim como seu amadurecimento não está satisfatoriamente resolvido, a jornada ainda não chegou em um "lá" quando termina. O lá é o vazio por onde olha de longe e que circula de inércia os acontecimentos.
Aliás, quem tem a presente edição da Cosac-Naify, tem a disposição ótimas análises e sínteses, as quais muito engrandecem e aprofundam o livro e as quais a seção de resenhas do skoob não tem como rivalizar, entretanto preciso discordar que Dickens se lança a sombra ao terminar o livro, mas ao lançar, pois esconde muito bem para as neuroses e valores vitorianos, que ele pessoalmente também é Heep, pois é este o desenvolvimento do órfão em miséria, enquanto Davy é a imagem polida nos privilégios pequeno-burgueses.
Mas, como num sonho, pode-se dizer que ele seja um pouco de cada personagem ali narrado e o eterno retorno ao trágico momento mito-psicológico do naufrágio, é onde ele sempre tem que separar de uma parte de si que, então torna sua vida mais inocente e leve, para aquela em que se torna mais David Copperfield. Mesmo a ternura boba, encarnada em Dora, tem que ser deixada para trás para viver o amor mais sacrificioso encarnado em Agnes. Mas é triste a degeneração pela pobreza não ter espaço para amadurecer Emily de forma saudável.
Paradoxalmente a sequência de ações se torna chata depois de ir pra escola, apesar de diversa, mas dado seu fim, me deixou a sensação de que a obra precisava continuar anos depois. Entretanto, sua forma despretensiosa de construir cenas é muito rica e envolvente e seu roteiro inspirou e continua inspirando inúmeras obras, tanto na literatura, quanto fora. E, em parte, isso acabou diminuindo o peso para mim, assim como obras de Allan Poe, pois suas estruturas já estão hoje bem batidas de tão exaustivamente copiadas.