Marcos Aurélio 26/11/2023David "Fenix" CopperfieldMais um maravilhoso Dickens. Assim como no livro: "A velha loja de curiosidades", Dickens me emocionou.
A tragédia humana é retratada com a excelência, mas talvez para o dickensiano o traço mais marcante do escritor seja a crítica social. Dickens, pai de dez filhos, explica a preferência por David Copperfield, embora "Grandes esperanças" seja reconhecida por muitos como sua obra-prima.
"Tão verdadeiras são essas palavras ainda hoje que só me cabe oferecer o leitor uma última confidência. De todos os meus livros, este é o que mais gosto. Seria de se acreditar que sou um pai orgulhoso de todos os filhos de minha imaginação e que ninguém seria capaz de amar esta família com tanto carinho quanto eu. Mas, como muitos pais dedicados, tenho, no mais fundo de meu coração, um filho favorito. E seu nome é David Copperfield".
O livro retrata semelhanças com a vida do autor, hoje este fato não surpreende mais. Percebi em Hemingway que também sua vida e obra se misturam.
David é órfão de pai, e logo no início do livro perde também a mãe. Aí começam as desditas de sua jovem existência. Edward e Jane Murdstone ficam com os bens da família e desprezam o menino que passa a lutar arduamente para sobreviver, alimentar-se e escapar do frio.
A primeira parte do livro é carregada, tensa, triste e revoltante. Dickens abre as feridas de uma sociedade que tinha na "educação" algozes, ao invés de professores. Seres humanos frustrados que passavam de geração em geração os castigos que lhes foram infligidos na infância, sem talvez ter consciência disso.
O caminho de David começa a mudar quando corajosamente ele decide procurar a tia paterna que o desprezou no nascimento por desejar uma menina. Betsey Trotwood torna-se tutora, e mostra-se protetora e amorosa, mesmo sendo temperamental.
"- Sr. Dick - disse minha tia -, o que devemos fazer com esta criança?
O Sr. Dick ponderou, hesitou, armou um sorriso inspirado e respondeu:
- Acho que devemos chamar o alfaiate para tomar ler as medidas"!
A ama Clara Peggotty, que cuida de Clara Copperfield até a morte, é uma alma bondosa na vida do menino.Um porto seguro, mesmo com suas dificuldades está sempre à disposição para socorrê-lo,embora ele evite recorrer a ela não por orgulho, mas por zelo.
Peggotty apresenta Daniel Peggotty, Ham e Emily, que para mim foi a primeira paixão de David. A casa barco é meu cenário preferido no romance.
Entre idas, vindas e pessoas o Pequeno Copperfield precisará ser hábil para perder-se nos meandros de uma sociedade ocupada demais com a própria sobrevivência para pensar em caridade, com raras, mas bem-vindas exceções. David é um menino carinhoso, verdadeiramente grato e gentil.
"Tive muita sorte no que toca aos assuntos mundanos; muitos homens já trabalharam bem mais duro do que eu sem conseguir metade do que conseguir; mas nunca teria conquistado o que conquistei sem o costume adquirido da pontualidade, da ordem e da prestimosidade ou ainda sem a determinação de me concentrar num esforço de cada vez, não importando quão imediatamente se anunciava o seguinte".
Depois das primeiras decepções e convivências com seres ignóbeis, Betsey dá uma nova perspectiva ao menino Copperfield poderá então, acolhido tornar-se.o homem que sempre desejou ser, ainda assim precisará reconhecer em Uriah, e nas famílias: Micawber, Strong, Wickfield quem poderá caminhar ao seu lado e de quem precisará se afastar.
David parece confusamente apaixonado por Emily, Agnes e Dora. Seus grandes amigos tornam-se James Steerforth, um longínquo "protetor" interesseiro; o fiel Tommy Traddles, e o Sr Dick.
Indico este livro, e um olhar especial para o Sr Micawber. Dizem que foi inspirado no pai de Dickens.