Paulo 01/12/2021
No final da edição passada vimos a morte de Thors, pai de Thorfinn pelas mãos de Askeladd, a mando do chefe Floki. É essa tragédia que vai moldar a mente do nosso protagonista e seu indomável espírito de vingança. Ainda não sabemos exatamente como ele se juntou ao bando de Askeladd (se foi imediato ou um pouco depois), mas ele vem desafiando o assassino de seu pai para duelos mortais por anos a fio. No início desse segundo volume, vemos a guerra entre os danes e os ingleses, quando o rei Sweyn decide iniciar uma campanha de invasão e saques. Uma guerra que vai durar muitos e muitos anos e envolve vários interesses. No meio do conflito, Thorfinn se vê dividido entre sua vingança e uma guerra pela qual ele não entende o motivo. O bando de Askeladd parte para a conquista da cidade de Londres, mas se vê às voltas com um antigo companheiro, Thorkell, que passou para o lado dos ingleses e se revela ser uma montanha impenetrável.
Ainda temos bastante desse espírito de mangá shounen com inúmeras cenas bizarras de ação como Thorkell atirando pedras e toras enormes como se fossem sacos de batatas. Estou dando só um exemplo, mas tem várias outras coisas acontecendo e não tiram a graça de Vinland Saga. É essa mistura de mangá de ação com romance histórico que dá o tom do que Yukimura tem construído. A sequência de combate entre Thorfinn e Thorkell é de tirar o chapéu. Mais uma vez o autor demonstra sua habilidade em criar cenas de bastante tensão com um domínio da linha cinética. Tudo é bem coreografado e faz com que o leitor se mantenha com a respiração presa. Mesmo as cenas de batalha campal são bastante legais e me fizeram lembrar de séries como Vikings e O Último Reino. A última coisa que eu esperaria encontrar em um mangá japonês seria uma barreira de escudos. E Yukimura consegue representar estes tiques de batalha tipicamente ocidental com uma naturalidade absurda.
Não posso deixar de elogiar a arte também no sentido da pesquisa e da referência histórica. E vou focar nesta resenha nos aspectos do combate já que mencionei as construções e as vestimentas na resenha passada. As armas são de fato baseadas nas que existiam na época com um detalhe todo especial em coisas simples como as bainhas ou as empunhaduras. Cheguei a ver inclusive uma espada que possuía runas nórdicas em seu fio, um detalhe que pode passar despercebido quando o autor te coloca observando o combate entre personagens. Dois outros elementos que valem ser mencionados são o burh e os pequenos navios que os vikings usavam para entrar em rios menos compridos. O burh realmente fazia parte do sistema de defesa dos anglo-saxões e Londres era um entroncamento importante para os reinos da época. Estar posicionado em rios mais rasos foi uma arma empregada pelos saxões para evitar o avanço dos vikings. Não foi inteiramente eficiente, mas não por causa dos invasores em si, mas por conta dos conflitos internos. Já no que diz respeito aos navios menores, vale destacar alguns detalhes simples como os escudos redondos colocados na lateral dos barcos, uma tática de defesa que visava reduzir os danos causados pelos arqueiros ingleses que eram tropas treinadas e letais. Outro detalhe vai para a rampa na frente do barco que servia para proteger o líder que ficava de observação na proa.
Acompanhamos dois momentos na vida do Thorfinn: quando ele era um pouco mais jovem e no presente do mangá. O autor quis trazer como se deu o amadurecimento do personagem que acabou se envolvendo com Askeladd e precisando se transformar em uma máquina de combate para levar a cabo seu objetivo. Isso o transformou em uma pessoa bastante diferente do menino inocente que vemos no volume anterior. Logo no começo temos uma ilustração disso quando ele é abrigado por duas camponesas logo após ser ferido por tropas inglesas. Askeladd passa a usar Thorfinn como uma espécie de guerreiro avançado, se infiltrando para sinalizar ataques das tropas vikings. Durante um tempinho, Thorfinn conseguiu sentir um pouco do calor de uma família, mesmo estando no lado inimigo. Essa situação vai construir os sentimentos do personagem para o desenvolvimento que veremos adiante. O personagem percebe a existência de famílias inocentes que acabam sendo tragadas para uma batalha da qual eles nada tem a ver. É óbvio que, para ele, isso remete à sua mãe, pai e irmã. Mais tarde temos o bando de Askeladd saqueando uma cidade e se divertindo ao causar inúmeras atrocidades ao tomar uma cidade. Algo que Thorfinn não consegue aceitar. Sua frase "O que eles veem de engraçado em uma guerra?" reflete bem o espírito do personagem na metade desse segundo volume.
A guerra entre os danes e os saxões é bem abordada neste segundo volume e Yukimura aponta quais foram as motivações que levaram o rei Sweyn a investir em algo de tamanha escala. Lembrando que, historicamente, os saxões vão perder cada vez mais espaço com o passar do tempo. Porém, Yukimura nos ilustra como as alianças entre as diversas tribos danes era algo bastante flexível. Embora levados por uma sede de sangue e espólios, as lealdades não eram tão confiáveis. Depois de dez anos de uma guerra sem fim, os danes estão cansados e quando não se tem mais tantos lugares para atacar ou as campanhas se tornam mais e mais difíceis, eles querem buscar uma saída fácil para seus problemas. É o que leva Thorkell a trair os danes e passar para o lado dos ingleses. Não é nenhuma trama complexa de ser compreendida. Manter o interesse dos seus comandados com uma longa campanha vai ser um empecilho para os vikings.
A religião também é um tema importante desse segundo volume onde começamos a ver o embate entre um cristianismo mais humilde e com tendências globalizantes encarando um paganismo de origem cultural que valorizava o culto à guerra. Lembrando que historicamente houve um proselitismo cristão maciço nas regiões do norte da Europa entre os séculos IX e XI resultando na formação de uma comunidade crescente de novos convertidos. Percebemos nas falas dos membros do grupo de Thorkell o quanto alguns pensam em se converter por conta da mensagem salvífica e de humildade da "nova religião". Isso entrava em choque com uma cultura guerreira tradicional em que os deuses nórdicos tinham seus humores e desejos egoístas em relação à humanidade. Para um grupo de vikings, entender a mensagem de um deus que se sacrifica pelos outros em uma cruz sem levantar um machado ou uma espada é difícil de compreender. Só que as mensagens implícitas a respeito de amar o próximo, da compreensão, do sacrifício e da salvação começam a mudar lentamente a visão deles. Ao mesmo tempo, é preciso destacar que os vikings permaneceram muitos anos na Inglaterra e na antiga Bretanha (norte da França) e acabaram se misturando com a cultura local. Elementos dessas culturas se mesclaram com a deles, criando um sincretismo religioso.
Esse período em que se passa a história é visto também como um momento de muitas dificuldades para a humanidade. Como mencionei na resenha anterior, acreditava-se que a humanidade iria ser destruída. O milenarismo tomou conta das discussões da época. Nessa edição vemos que isso não é algo ligado apenas às culturas cristãs, mas outros povos acreditavam no crepúsculo da humanidade. Fatores como uma pequena Idade do Gelo, epidemias desconhecidas, desabastecimento alimentar, contribuíam para isso. Não é estranho que os ânimos das várias civilizações humanas estivessem elevados e ações improváveis fossem levadas a cabo como uma insana invasão viking, um povo acostumado mais a saques e assaltos esporádicos do que a invasões duradouras. Por essa razão, quando as incursões começaram, os governantes saxões não deram tanta atenção; não à toa, essa é uma guerra que sequer tem um nome, mas que devastou a ilha britânica. Yukimura faz um excelente paralelo entre a queda do Império Romano e os ciclos históricos. Em uma ruína antiga com pilares romanos, Askeladd comenta com Thorfinn sobre o fato de que naquele lugar residiu um dos maiores impérios da humanidade. E que naquele momento, este grande império não passava de pó e ruínas. O autor quis comentar sobre essas idas e vindas da história, mas para Askeladd existe o contexto de eles imaginarem estar enfrentando um Ragnarok, uma destruição da humanidade pelos deuses.
Uma boa segunda edição com vários desenvolvimentos de personagens e mudanças. Temos uma história que segue um rumo explosivo em seus próximos capítulos com um príncipe fugitivo, uma invasão que segue de forma desastrosa e Thorfinn no meio de tudo isso desejando se vingar de Askeladd. Mas, e quando os seus objetivos começam a ficar para trás diante de algo maior e incontrolável? São cenas dos próximos capítulos e estaremos lá para conferir.
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