Sofia136 08/08/2024
Uma leitura mentalmente psicodélica, em todos os sentidos.
Com certeza esse é um dos livros mais sinceros que eu já li, e dificilmente lerei algum que traga mais autenticidade e veracidade como Diários da Heroína, principalmente por ser tratar de uma autobiografia. Não como se Mötley Crüe fosse uma banda conhecida por sua estética limpa e seus membros admiráveis, muito pelo contrário e, talvez, essa tenha sido a maior estratégia de divulgação da banda. Mas ao abordar de forma tão íntima o ano mais sombrio de toda a sua vida, Nikki Sixx ganhou uma perspectiva extremamente admirável para sua própria imagem.
Uma criança abandonada pelo pai, ignorada pela mãe, largou a escola ainda no início do ensino médio, usou drogas ? mesmo só percebendo depois ? ainda na infância e se afundou de verdade na idade adulta. Com toda a certeza, o que m9ais iluminou Nikki em seus primeiros anos foi: o amor incondicional que seus avós tinham por ele, e o que ele desenvolveu pelo rock. Mas, no fundo, ele nunca deixou de ser o garotinho que não entendia porque seu pai não estava por perto, por qual motivo sua mãe o deixava com os avós sempre que arranjava um novo namorado e o que havia acontecido com sua irmã mais nova. Tantas ausências e frustrações... é quase impossível alguém passar por tanta coisa e não ter marcas profundas no futuro, e Nikki não foi uma exceção.
A narrativa do livro começa no Natal de 1986 e termina na mesma data, em 1987. Um ano, quase completamente narrado, dentro da cabeça de uma estrela do rock, que, como a maioria, já estava corroída pelo excesso de sexo, de drogas e chegou uma hora que a única coisa que o fazia pulsar era o rock n' roll. A narrativa fica tensa de verdade quando até a música deixa de ter significado para o baixista, claramente algo está muito errado e você está torcendo contra o desfecho óbvio ? spoiler: felizmente, não é o que acontece.
Por todas as quinhentas páginas desse livro, foram abordados inúmeros tipos de depravação, que não condiziam com todo o glamour que a cena californiana oitentista apresentava. Nikki nunca escondeu durante essas páginas sua admiração pelo Aerosmith, pelo Keith Richards e pelo Sid Vicious, e isso não mudava quanto o tópico era reproduzir o que os levou a fama. Mas, sempre que a heroína entrava em cena, a sensação era de que tudo aquilo perdia o sentido, nada mais verdadeiramente importava. E quanto mais Nikki se afundava, mais ele que se aproximar do último ídolo que citei. Isso foi uma fala do próprio, na tentativa mórbida de fazer humor com sua morte, praticamente certa.
Um ponto sensível também é ele sentir o distanciamento com sua banda, caras que até uns anos atrás eram seus amigos, que se juntaram na ideia de modificar a cena do rock. Ele sabia que haviam conseguido isso, mas por que ele não estava feliz? Por que não percebiam quando ele não estava bem? Bom, a sensação era que ninguém verdadeiramente se importava. E ele reconhecia isso quando estava sóbrio. Ele sabia que ninguém iria intervir, era Nikki o grande protagonista da máquina de fazer dinheiro que foi o Mötley Crüe naquela época. Com o dinheiro entrando, tanto faz para a gravadora o que ele faria. Mesmo que isso pudesse custar a vida dele.
O mais triste do livro é ver que ele sabia que estava fazendo algo errado, que estava acabando com a própria vida, reconhecer que estava sozinho e por culpa dele, saber que não pedia ajuda por ser orgulhoso, mesmo que ele estivesse precisando. O mês de dezembro ? que é, inclusive, mês do aniversário dele ? foi extremamente impactante, por mais que eu soubesse exatamente o que ia acontecer no dia 23. A sensação de quase morte o perseguindo e ele entender que, por um período, ele realmente morreu e não foi a primeira vez. Em 1986, ele sofreu uma overdose nas ruas de Londres que tentaram o acordar na base da pancada, e, com a tentativa falha, o largaram em uma lata de lixo. Ele narra que a sensação de acordar após as duas vezes foi a mesma, mas na segunda vez ele percebeu o que precisava fazer para que não se encontrasse com Sid Vicious.
É uma leitura emocionante e o que mais me emocionou foi ele narrando sua vida atualmente, sóbrio e feliz. Ser grato por cada dia que acorda, já que ele sempre vai estar em uma eterna reabilitação. Conseguir ter a família que sonhou e ser para seus filhos o pai que não teve. O Nikki Sixx de 1987 o odiaria, mas o Nikki Sixx de 2024 não se importa. Ele sabe que é muito mais rock n' roll do que sua versão de quase quarenta anos atras.