Marcos 24/02/2010
Matem o bicho, cortem a garganta, tirem o sangue - resenha com SPOILERS nos parágrafos finais
Surpreendentemente bom. Um romance psicológico que revela o homem tal como ele realmente é: um animal domesticado, mas, ainda assim, um animal.
Há uma clara influência em Lost, mas as tramas tomam caminhos diferentes. A estória gira em torno de um grupo de meninos que ficam sozinhos numa ilha, após um acidente de avião, durante uma guerra.
Crianças, que teoricamente não carregariam os males construídos na nossa sociedade. Uma oportunidade para se iniciar uma tabula rasa, uma sociedade criada a partir do zero, de acordo com o mito do Bom Selvagem, de Rousseau.
Não demora muito até que os meninos tenham a necessidade de se organizarem, para conquistarem seus objetivos. Surgem dois candidatos naturais a líder, Ralph, o persuasivo, orador, de iniciativa, e Jack, o destemido e mais forte do grupo. Ralph é eleito pelo grupo o líder, por se apossar de uma concha, símbolo que ao longo do livro é colocado como o direito ao poder.
Porém, Ralph carece de estratégia, de um raciocínio capaz de se antever aos problemas e bolar soluções. Porquinho, um menino gordinho míope, é a voz da razão no grupo, o elemento que possui estas características que faltam a Ralph. Porém, pelo seu porte físico e inocência, é o "bullied" do grupo. Não possui voz ativa e suas opiniões só provocam risadas.
Juntos, Ralph, Jack e Porquinho se completam, mas não se entendem bem. Ao longo da estória, Jack se destaca, por ser aquele mais capaz de conquistar a admiração do grupo, através de seus feitos e por ser mais capaz de "protegê-los" do "bicho que ronda a ilha" (embora ninguém tenha visto nitidamente nenhum). Assume, desta forma, a liderança definitiva dos demais. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência ...
Porém, é uma liderança negativa, que corrompe a personalidade individual dos meninos, que passam a assumir a personalidade do grupo: selvagem, que só teme o mais forte, o líder do grupo.
O livro é repleto de simbolismos, dentre eles, um que é personificado e dá o nome à obra. O mais interessante é como o autor ilustra exatamente aquilo que acredito, recebemos tanta educação, mas a educação sem considerável reflexão nada mais é do que uma fina película, facilmente rompida diante de situações extremas.
Todo mundo é educadinho, dá bom dia, vai à igreja, critica o próximo, que furou fila. Mas quando ocorreu o Katrina, por exemplo, vimos exemplos do que o homem civilizado é capaz, quando não é vigiado e a aparência de civilização é destruída. Inúmeros saques, estupros, pessoas matando umas às outras, mesmo quando inúmeras pessoas precisavam de ajuda. É por essas e outras que não acredito em anarquia, anarquistas são ingênuos, por depositarem uma fé completamente cega no ser humano.
Estimule a reflexão, torne as pessoas conscientes, contribua para uma sociedade melhor. Mas esteja preparado para usar a força, se preciso, lembre-se que a selva continua aqui, só está adormecida. Como diriam os romanos (em relação aos gregos), de que adiantam dois mil anos de arte se você não sabe se proteger ? Porquinho que o diga.