Mariana.Artigas 25/05/2024
Resenha O amante — Marguerite Duras
Marguerite Duras, nasceu em 14 de abril em 1914 no Vietnã, na época em que o país ainda era uma colônia francesa, a "Indochina”. A escritora nasceu nos arredores de Saigon pouco antes da Primeira Guerra. Aos 17 anos de idade partiu para a França, lá Duras estudou Direito e Ciências Políticas em Sorbonne. Na década de 1940 tornou-se um dos nomes mais influentes da literatura no século XX.
O primeiro contato que tive com Marguerite Duras foi em um frame de um documentário intitulado Marguerite Duras, A Arte de Escrever, no qual a escritora fala com paixão sobre a arte de escrever e como o espaço influenciou fortemente a sua produção literária. Após ter visto uma citação desse documentário em uma rede social fiquei obcecada pelas palavra de Duras. Por um tempo a obra da escritora ficou esquecida em meus pensamentos, mas recentemente emprestei em uma biblioteca o livro O amante por uma recomendação de um colega de trabalho. A edição que eu li é uma edição da Editora Record, impressa em 1995.
Não é uma leitura rápida, apesar de ser uma obra de poucas páginas a sua leitura é densa e cheia de sutilezas. O amante (1984), se passa na Indochina e trata da relação de uma jovem de 15 anos com um bilionário chinês de 27 anos. Alguns estudiosos e resenhistas afirmam que esta é a obra mais autobiográfica de Duras. Porém irei me debruçar sobre o espaço que a autora cria no livro para poder discorrer sobre as outras temáticas presentes no livro.
“Deixe-me contar de novo, tenho quinze anos e meio.
Uma balsa cruza o Mekong.
A imagem permanece durante toda a travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio, não há estações naquele país, vivemos uma única estação, quente, monótona, estamos na longa zona tórrida da Terra, sem primavera, sem renovação”. (DURAS, 1995, p.8)
O trecho acima é um dos mais bonitos que já li. Ademais, a obra como um todo é de uma sensibilidade brutal, sendo um dos livros mais profundos que já tive contato. O calor também é como um personagem, ele irá guiar a relação da protagonista com o bilionário chinês. Além disso, a casa da jovem irá retratar não somente a sua condição social e a de sua família, mas a sua relação disfuncional. Uma família disfuncional, relações em queda, uma família onde não há comunicação, todos os membros encontram-se profundamente arraigados em sua própria solidão.
“(…) Tudo cresceu à nossa volta. Não há mais crianças montadas nos búfalos, nem em outros lugares. Somos tomados nós também de estranheza e a mesma lentidão que envolveu minha mãe também nos envolveu. Não ouvimos nada, olhando a floresta, esperando, chorando. As terras da planície estão definitivamente perdidas, os empregados cultivam as partes do alto, deixamos para eles o arroz com casca, permanecem lá sem receber salário, moram nas palhoças que minha mãe mandou construir. Eles nos amam como se fôssemos membros de suas famílias, eles agem como se vigiassem nosso bangalô e realmente o vigiam. Não falta nada à pobre louça. O telhado apodrecido pela chuva continua a desfazer-se. Mas os móveis estão limpos. E o desenho da casa la está, puro como um quadro, visível da estrada. As portas são abertas todos os dias para que o vento seque a lenha. E fechadas à noite para evitar que entrem os cães vadios, os contrabandistas das montanhas. (DURAS, 1995, p. 31).
Posso afirmar que o leitor é capturado para dentro deste espaço, Duras consegue fazer com que estejamos completamente imersos, vigiando a personagem em sua travessia diária pelo Mekong, nas caronas na limusine preta e ainda nas brigas familiares, nos conflitos que ocorrem dentro de casa, nessa salobra noturna, da qual a protagonista deseja escapar.
Penso que a tônica dos romances: Lolita de Nabokov (1955), O amante de Marguerite Duras, (1984) e Minha sombria Vanessa, (2020) escrito por Kate Elizabeth Russel esteja na vontade das protagonistas de escaparem não somente de suas próprias casas, famílias, de sua realidade social, mas de suas próprias mentes.
“(…) a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda acepção do termo. Até a mais modesta habitação, vista intimamente, é bela. Os escritores de “aposentos simples” evocam com frequência esse elemento da poética do espaço. Mas essa evocação é sucinta demais. Tendo pouco a descrever no aposento modesto, tais escritores quase não se detêm nele. Caracterizam o aposente simples em sua atualidade, sem viver na verdade a sua primitividade, uma primitividade que pertence a todos, ricos e pobres, se aceitarem sonhar. (BACHELARD, 2008).
No documentário The Places of Marguerite Duras (1976), a escritora afirma que uma mulher é o único ser capaz de habitar totalmente um lugar, uma casa. Por que as personagens as protagonistas escritas por Duras, Nabokov, e Russel parecem querer abandonar os lugares de onde vieram? Suas casas? Seus pensamentos?
Não consegui completar e terminar a leitura de Lolita e de Minha sombria Vanessa ainda, em partes porque ambos os livros demandam tempo, mas confesso que a escrita do Nabokov, me causou um choque, estranhamento, ao mesmo tempo que consegue ser incrivelmente bonita. Acredito que todos os livros citados nessa resenha merecem um olhar social. Além de que, O Amante (1984), me parece ser a obra que mais retrata a dor, o sofrimento, o erotismo e a paixão.
Penso que Vanessa e Lolita vivem um simulacro, aquilo não pode ser chamado de paixão, tampouco pode ser chamado de relacionamento
ou de sexo. Com isso quero dizer que o calor, a travessia, o Mekong, conseguem fazer com que o leitor fique imerso na escrita de Duras.
Nós queremos desvendar o que acontecerá a cada página.
Há ainda a barreira da nacionalidade, trata-se de uma jovem branca e de origem francesa, porém ela e sua família não possuem uma boa condição financeira. Contudo, o bilionário chinês, possui muitas casas, é um homem bem sucedido e viajado. A personagem muitas vezes afirma que não o ama, apenas está com ele pelo seu dinheiro, aí reside o forte desejo de escapar de si mesma, e da casa em que vive. O erotismo, a paixão é também uma fuga. Uma fuga para dentro de si mesma.
Atravessando as venezianas a noite chegou. O barulho é maior. Mais estridente, menos surdo. As lâmpadas avermelhadas se acendem.
Saímos do apartamento. Torno a pôr o chapéu de homem com fita preta,
os sapatos dourados, o batom escuro, o vestido de seda.
Envelheci. Percebo isso subitamente. Ele vê, diz: você está cansada. (DURAS, 1995, p. 52).
A jovem pode enfim ser ela mesma na travessia do Mekong, e no apartamento do seu amante chinês. O amor entre os dois aplaca
em partes a sua existência predominantemente melancólica.
Duras possui um trabalho primoroso com as imagens.
É agoniante perceber a deterioração das relações familiares, a depressão da mãe, a morte do irmão, a crueldade do irmão mais velho, suas relações com as drogas, com as mulheres, com o jogo. O livro não é linear, pode sim confundir o leitor em certas passagens, mas nada que nos tire o foco da leitura. É extremamente intenso, a escrita de Duras é um deleite.
Por fim, ler O amante (1995), é quase como estar imersa dentro de um álbum de fotografias, dentro de um filme antigo. Duras nos confere uma experiência estética inesquecível.
Referências:
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
DURAS, Marguerite. O amante. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1995.
site: https://artigasmariana.medium.com/resenha-o-amante-marguerite-duras-fd7af1072924