Jess.Carmo 19/04/2021
A finalidade do ensino de Lacan seria fazer psicanalistas à altura do sujeito
Como de praxe, o meu Ensino é mais uma obra lacaniana em que encontramos poucas justificações do autor sobre sua exposição. Lacan está a todo tempo dizendo que os psicanalistas não sabem o que estão fazendo. Para o psicanalista francês, todo analista precisa entender de lógica ou não sabe onde está pisando.
Sua preocupação está, também, em separar seu ensino de uma certa consciência comum. Ora, aquilo que é repetido "certo número de vezes, isso passa à consciência comum" (p. 25). Dessa forma, a verdade é sempre algo novo. Bem, sabemos de como a teoria freudiana foi assimilada pelo senso comum e como Freud também se serviu dele. Vemos que o esforço do ensino de Lacan será o de construir um ensino que ele chamará de avesso do projeto freudiano. Portanto, não se trata de um melhor esclarecimento da teoria freudiana, como diz muitos colegas. Se esse fosse o objetivo de Lacan, teríamos em mãos um completo fracasso. Aqui, Lacan joga fora um dos mais fundamentais pressupostos da teoria freudiana, a saber, que a verdade é a vida sexual do indivíduo.
A importância da matemática para o ensino lacaniano fica clara em sua insistência de falar das "letrinhas algébricas". Sabemos que em matemática não se pode escrever qualquer coisa. Para Lacan, a ciência se faz na possibilidade de escrever. Ou seja, a ciência é alguma coisa que se coloca em relação com a escrita, com a letra, com os algoritmos. É com isso que se faz avião, foguete e, como aposta Lacan, psicanálise. Isso acontece porque o cálculo também é feito de linguagem; ela também faz cálculo. Ou seja, há uma relação entre a matemática e a linguagem comum, a linguagem que habitamos. O significante lacaniano tem sua origem assentada nessa estrutura.
Voltamos aqui para a completa insatisfação de Lacan com os analistas de sua época. Não é por o psicanalista passar uma sessão de uma hora calado que se deve considerar que a psicanálise é uma ciência da observação. Como já dito, o que estrutura a ciência é sua lógica, não sua face empírica. É isso que os psicanalistas desconheciam e talvez ainda desconheçam. Conhecer essa lógica é fundamental para entendermos o objeto da psicanálise, a saber, o sujeito do inconsciente. Por isso, encontramos afirmações no texto como "existe a mais estreita relação entre o surgimento da psicanálise e a extensão efetivamente de regalia das funções da ciência" (pp. 86-7).
Outro ponto que Lacan considera sintomático no ensino da psicanálise é a análise pessoal como formação única do analista. Lacan é bem irônico aqui. O analista não diz que sabe, mas deixa a entender que sabe, permanece calado. Só depois de passar pela interminável análise pessoal poderia falar sobre alguma coisa acerca da psicanálise; "poder-se-ia falar, o que não quer dizer que se fale" (p. 17). Bem, a ironia pode deixar certas coisas obscuras, ou nos fazer cair em certas armadilhas. O que Lacan critica aqui é a velha asserção de que eu entro no campo analítico a partir da experiência singular da análise pessoal, o que levaria a um silenciamento tanto daquele que ainda não passou por ela, como daquele que passou por ela e que, não à toa, não consegue falar nada da psicanálise. Isso porque não se forma um psicanalista apenas pela análise pessoal.
Para Lacan, é compreensível que os analistas permaneçam nesse total desconhecimento acerca do problema do sujeito, já que sua formação é preponderantemente médico-biológica. Não é na biologia ou na psicologia que encontraremos ferramentas para lidar com o nosso objeto, mas na topologia, na lógica, na linguística e na filosofia (ou antifilosofia).
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