Tiago600 20/10/2020
O mais lindo tratado a respeito do amor que já li
“Ninguém tem vontade de falar de amor, se não for para alguém.”
[...]A dificuldade da aventura amorosa consiste no seguinte: Que me mostrem quem devo desejar, mas em seguida deixem o terreno livre!
“Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme fira o outro, porque me deixo sujeitar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum.”
"De quem é a vez de falar? Nós nos calamos juntos: acumulação de dois vazios."
Um koan budista diz o seguinte: "O mestre conserva a cabeça do discípulo sob a água, por muito tempo; pouco a pouco as bolhas se rarificam; no último instante, o mestre tira o discípulo, o reanima: quando tiveres desejado a verdade como desejaste o ar, então saberás o que ela é". A ausência do outro me conserva a cabeça sob a água; pouco a pouco sufoco, meu ar se rarefaz: é através dessa asfixia que reconstituo minha "verdade" e preparo o Intratável do amor.
("História Zen: Em pleno calor, um velho monge está ocupado, secando cogumelos. "Por que não fazeis com que outros o façam?
- Um outro não é eu, e eu não sou um outro. Um outro não pode ter a experiência de minha ação. Eu devo ter minha experiência de secar cogumelos.")
Só. A figura diz respeito, não ao que pode sua solidão humana do sujeito apaixonado, mas à solidão "filosófica", já que o amor-paixão hoje em dia não está sob a responsabilidade de nenhum sistema maior de pensamento.
Como se chama esse sujeito que insiste num '"erro", ao contrário de todos e contra todos, como se tivesse diante dele a eternidade para "se enganar"? - Chama-se um relapso. Seja de um amor ao outro ou no interior de um mesmo amor, não paro de "recair" numa doutrina interior que ninguém divide comigo. Quando o corpo de Werther é levado de noite para um canto do cemitério, perto de duas tílias (a árvore do perfume simples, da lembrança e do adormecimento), "nem um padre o acompanhava" (é a última frase do romance). A religião não condena apenas o Werther suicida, mas também, talvez, o enamorado, o utópico, o desclassificado, aquele que não está "ligado" a mais ninguém a não ser ele mesmo.
A solidão do enamorado não é uma solidão da pessoa (o amor se confia, se fala, se conta), é uma solidão de sistema: sou o único a fazer disso um sistema (talvez porque sou incessantemente rebatido sobre o solipsismo do meu discurso). Paradoxo difícil: todo mundo me ouve (o amor vem dos livros, seu dialeto é corrente), mas só me escutam (recebem "profeticamente") os sujeitos que têm exatamente e presentemente a mesma linguagem que eu... Os enamorados, diz Alcibíades, se parecem com aqueles que foram mordidos por uma cobra: "Diz-se que eles não querem falar do que lhes aconteceu com ninguém, a não ser com aqueles que também foram vítimas da mesma coisa, como se fossem os únicos aptos a conceber e a desculpar tudo que eles ousaram dizer e fazer durante a crise das suas dores".
A verdade seria aquilo que ao ser descoberto deixaria aparecer a morte (como se costuma dizer: não valeria mais a pena viver). É assim com o nome do Golem: ele se chama Emeth, Verdade; tirando-se uma letra fica Meth (está morto). Ou ainda: a verdade seria aquilo que na fantasia, deve ser retardado, mas não renegado, reprimido, traído: ou seja, sua parte irredutível, aquilo que estou sempre querendo saber uma vez antes de morrer (outra formulação: ''Morrerei então sem ter sabido, etc.").