spoiler visualizarAJ 25/01/2015
Livro suspeitamente pequeno, suspeitamente com letra antiga, quase de máquina de escrever. Trata-se de um policial, em que um detective, que, encerrado o trabalho para o patrão, que se reformou, vai em busca da sua própria história. O personagem, Guy Roland, tornou-se detective por, ao dar por si, sem memória, em determinado ponto no passado, ter recorrido precisamente aos serviços do seu patrão, Hutte. No início da sua busca, apenas consegue ter algum tipo de reacção interior a algumas fotografias, sem saber bem se é mesmo ele, e que servem para o ponto de partida. Vai então reconstituindo histórias de pessoas, que sabe estarem ligadas, mas, sem saber com qual delas se identificar. A reconstituição vai sendo feita quase até ao final do livro, em que finalmente sabe qual dos homens nas fotografias é ele.
Talvez, para policial, não esteja mal. Mas, sendo um Nobel, eu esperava mais abstração, mais ligação a questões existenciais genéricas a todos nós, que é o que busco num livro. Faltou-me isso: o, a determinado ponto, ele dar o salto da história para algum tipo de meditação. Além disso, o autor refere, ao longo da história, sensações de medo, opressivas, de claustrofobia, sentidas tanto pelo personagem principal como por outros, associadas a determinadas ruas por onde, na sua busca, passava. Esse facto é referido recorrente e insistentemente, e, talvez por isso, eu imaginei algum crime, algo que lá se passasse. No entanto, essa revelação nunca foi feita. No final, aliás, nada é revelado. Subentende-se que ele perdeu a memória porque foi abandonado ao frio, no meio da neve, algures entre a França e a Suiça, para onde queriam fugir, com a ajuda de um passador. Ainda vai ao encontro, numa viagem ao outro lado do mundo, de outro dos personagens que reconhece nas fotos, e com quem comungava a parte final da sua vida “perdida”, mas, sem o encontrar, acaba por finalizar ali a busca, abruptamente, desistindo até, no final, de outras pistas.
Pergunto: para quê? Era isto que o autor queria? Dizer que todos queremos saber de algo do nosso passado, mas que, a determinado ponto, sentimos que o fio foi restabelecido, e, já nos basta? Ou queria apenas deixar na nossa mente o MEDO, sentido pelos judeus franceses na ocupação nazi de Paris? Será que eu não li com cuidado suficiente? Ou, se calhar, faltou-me o conhecimento histórico. Agora, depois de ler e ir buscar “wikilinks”, parece que a tal rua, em Roma, existe, com esse nome, e na qual, no número 2, nos anos 30, funcionou o gueto judeu da cidade...
Pelos vistos, a razão do Nobel foi "pela arte da memória com a qual ele evocou os destinos humanos mais inapreensíveis e descobriu o mundo da vida da ocupação". “Jean Patrick Modiano nasceu em Boulogne-Billancourt, uma comuna nos subúrbios ocidentais de Paris, França, em 30 de julho de 1945. Seu pai, Albert Modiano (1912-1977, nascido em Paris), era de origem judaica, descendente pelo lado do pai de uma família sefardita de Salonica. Sua mãe, Louisa Colpijn, era uma atriz belga também conhecida como Louisa Colpeyn. Os pais de Modiano encontraram-se na Paris ocupada durante a Segunda Guerra Mundial, e começaram a sua relação semi-clandestinamente. Seu pai recusou-se a usar a estrela de David e não se entregou, quando os judeus de Paris foram cercados para serem deportados para os campos de concentração nazis; ele passou a guerra em negócios no mercado negro, mantendo contactos com a Gestapo, sediada na Rue Lauriston.”
Talvez eu o tenha subestimado, vá. O meu problema é quando é preciso guiões para interpretar uma escrita. Não gosto. Ou está lá, ou, se tem de ser explicado, perde a piada.