Cassionei 30/04/2021
Ensaios bem ponderados
Contra um mundo melhor – ensaios do afeto inaugurou, em 2010, uma série de títulos populares de Luiz Felipe Pondé, surgindo na onda do sucesso de suas colunas na Folha de São Paulo e o transformando em um best-seller improvável. A Editora Contexto lança agora uma nova edição do livro (a terceira), com a foto do filósofo na capa, coisa não muito comum por aqui. Também é estranho que na campanha de divulgação não há nenhuma menção ao fato de o volume não ser inédito.
De qualquer forma, a publicação desses textos curtos, alguns de não mais de meia página, traz de novo um belo livro à tona. É o mais pessoal do escritor, pois declara sua forma de viver (“Detesto a vida perfeita”) e define algumas teorias que vão perpassar sua trajetória, como a do “jantar inteligente”, da “tradição trágica” (“o que nos humaniza é o fracasso”) e a “filosofia do afeto”.
Pondé incomoda, inclusive aqueles que não o leem. Em uma conversa nas salas dos professores, um colega me disse: “não gosto do Pondé por ele ser direitista, e eu sou de esquerda!”, como se fosse um demérito o fato de se pensar ideologicamente de forma distinta. O filósofo também incomoda certo setores da direita por se posicionar, por exemplo, a favor do casamento gay. Incomoda da mesma forma os ateus como eu, apesar de ele também ser um, pois não concorda com os militantes ateístas e considera o fato de não acreditar em deuses algo tão fácil que até uma criança de 8 anos pode deixar de acreditar. “Para mim, Deus permanece uma ideia elegante”, declara.
Quando afirma que é contra um mundo melhor, incomoda os otimistas, os utópicos, aqueles que lutam por igualdade e felicidade para todos. “Tenho medo de pessoas muito felizes”, afirma no prefácio. No primeiro ensaio, denominado “Imperfeição”, acrescenta: “acho um mundo de virtuosos (...) um inferno”.
De Cioran a Nelson Rodrigues, passando por Montaigne, Nietzsche e Kafka, o diálogo com pensadores e escritores é uma constante nos ensaios. Alguns eram desconhecidos e passaram a ganhar espaço nos debates no Brasil bem depois das citações de Pondé. É o caso de Michel Oakeshott.
Falta no Pondé, no entanto, um cuidado maior com a escrita. O uso quase que exclusivo da conjunção “mas”, por exemplo, em detrimento de outras adversativas, muitas vezes abrindo com ela uma frase depois do ponto, empobrece o texto, mesmo que o objetivo seja aproximar o pensamento filosófico do público leigo. Pode-se dizer que ele é um bom pensador, mas, ou melhor, porém, não se pode dizer que seja um bom escritor. Há também algumas afirmativas estranhas como a de que Guilherme de Ockham foi imortalizado por Umberto Eco através de um personagem do romance O nome do rosa, como se o conceito da navalha de Ockham não fosse o suficiente para deixar o nome do teólogo na História.
Apesar disso, vale sempre a leitura dos textos de Luiz Felipe Pondé, pela quebra de alguns paradigmas atuais e a crítica certeira a determinados sujeitos contemporâneos, como os “inteligentinhos” e o pessoal que faz o bem mais como um projeto de marketing pessoal do que por altruísmo. Com o perdão do péssimo trocadilho, são ensaios bem ponderados.
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