Kein 07/03/2014
Quando iniciei a leitura deste livro, imaginei que encontraria uma ode ao ódio contra o imperialismo americano, porém sem demora ficou claro que se tratava de um livro até que bem imparcial. Não que Jon Lee Anderson tenha conseguido deixar sua opinião totalmente de lado — afinal eu nem gostaria — mas ele consegue se colocar de forma bastante eficaz numa posição de canal comunicador, trazendo as opiniões que corriam pelo Iraque pré e pós Saddam Hussein.
Em A Queda de Bagdá, que tem seu foco voltado para os anos de 2000 até a primeira metade de 2004, o autor não traz uma estrutura muito ortodoxa de começo-meio-fim para a história do Iraque, trazendo fatos históricos de até séculos antes quando necessários e não em uma linha temporal simples. Ao contrário disso, os fatos que envolvem sua estádia em Bagdá são colocados com bastante rigor neste sentido. Acredito que essa mistura fez do livro um pouco mais leve, apesar de eu conseguir apontar certos momentos em que ele se repete demais quando narra certos dias de bombardeio.
O livro, ao meu ver, tem dois focos principais: primeiro o sofrimento físico de Jon Lee e de todas as famílias que ali vivem, e segundo o fator político na visão da população de toda aquela guerra que se viram envolvidos sem escolha. No primeiro, onde Jon Lee narra os acontecimentos, bombardeios, visitas à hospitais, busca por hotel para ficar, situações de risco, etc... são bem descritivos e, excedendo alguns momentos, meio frios demais, o que talvez seja consequência de sua profissão como correspondente de guerra que visa a documentação simples e direta dos fatos. Já no segundo, as opiniões de todos envolvidos naquela situação, o livro é bem mais interessante, mostrando várias visões que são impossíveis de serem destrinchadas pela mídias televisivas ou até pela internet, com dois destaques, Sabah al-Taiee, motorista preferido de Jon Lee que mostra uma visão mais popular e do "jeitinho iraquiano", e Ali Bashir, um médico e artista plástico muito ligado à Saddam Hussein que mostra a opinião de uma elite intelectualizada não muito satisfeita com o regime vigente. As opiniões são colocadas de forma bem explicita e são poucas as vezes que Jon Lee interfere nas mesmas, mostrando assim sua busca por imparcialidade.
Inicialmente impressiona como os iraquianos estão submetidos à uma loucura em conjunto, quase anestesiados e sem forças para questionar. Todos têm receio de falar, como fica claro em uma das passagens de Ali Bashir:
"Escute com muita atenção as pessoas, e julgue por si mesmo. Mas lembre-se. a verdade deve ser achada no que elas não dizem"
As opiniões iraquianas só aparecem com o quadro da guerra evoluindo. A insatisfação com o regime de Saddam, a falta de liberdade, o medo, as incertezas, as injustiças, as violações aos direitos humanos, tudo isso era simplesmente silenciado, e esse iraquianos acabaram por enxergar na guerra uma libertação. Porém, como fica claro não só na leitura do livro, mas como também anos depois de sua publicação, os Estados Unidos foram precipitados e
planejaram mal suas atitudes pós-guerra, deixando um povo destruído e com orgulho ferido com sua ambiciosa e lucrativa guerra ao terror. Sempre ficou claro que o principal erro foi desconsiderar a cultura iraquiana, quase esquecendo o fator humano.
Até hoje em dia, mais de dez anos depois dos ataques ao World Trade Center, estopim para tantas ações americanas e britânicas, vemos que há um preconceito remanescente com os árabes em geral, boa parte do mundo continua vendo-os como "homens-bomba", uma visão que nos pequenos detalhes traz conflitos diários e opressores desnecessários. O livro mostra mais uma vez que guerra é coisa de gente grande e não coisa do povo, as desavenças são brincadeiras para àqueles no poder, como diz em War Pigs do Black Sabbath "Making war just for fun; Treating people just like pawns in chess". Se dependesse da maioria, nada daquilo aconteceria, mas fazer o que? O mundo não é tão simplório assim. Mas pelo menos atitudes simples podem nos trazer alguma esperança, como uma breve conversa que Jon Lee teve com um iraquiano enquanto acompanhava algumas movimentações em torno de um dos ataques feitos ao Iraque:
"Perguntou de onde eu era. Quando respondi, dos Estados Unidos, ele disse, ainda sorrindo educadamente - Bem-vindo. - Trocamos um aperto de mãos."