Antonio Luiz 15/03/2010
A magia da ciência
Quando os nazistas começaram a bombardear Londres, o governo britânico organizou a evacuação em massa das crianças. Oliver e seu irmão mais velho, Michael, também tiveram de ir para o interior. À mercê de professores capazes de rivalizar em sadismo com guardas dos campos de extermínio, conheceram o lado sombrio do internato inglês, tão exaltado pela série "Harry Potter".
Foi a tia de Michael a notar, quando ele voltou para casa, como o menino estava coberto de vergões e contusões. Foi uma surpresa para os pais, que pensavam que não haviam notado nada errado e pensavam que os meninos gostavam da escola.
Mesmo depois de o diretor lhes haver cobrado o preço da vara que quebrara batendo no traseiro de Oliver que, cada vez mais, passava seu tempo fantasiando ter sido abandonado numa floresta e criado por lobos. Até os pais por fim perceberem que estava perdendo o juízo e o levarem de volta a Londres.
Seu irmão já delirava, acreditando ser o Messias e o favorito de um Deus flagelomaníaco. Para fechar as portas e os ouvidos àquela psicose na qual reconhecia seus próprios pesadelos, Oliver Sacks, que então fazia dez anos, montou um laboratório em casa e se deixou absorver pelo mundo da ciência.
É assim que um dos mais conhecidos neurologistas da atualidade descreve sua infância. Mas este não é mais um de seus livros sobre as complexidades da mente humana, nem é exatamente a autobiografia de um cientista. Os personagens centrais deste livro são os elementos químicos.
O "Tio Tungstênio" do título é um tio de verdade, que tinha uma fábrica de lâmpadas incandescentes e iniciou o sobrinho nos mistérios da química. Mas também é um dos metais mais densos e incorruptíveis da tabela periódica, que para Sacks tornou-se um símbolo de solidez e resistência num mundo caótico.
Cada um dos elementos que lhe caiu nas mãos ganhou uma identidade não só química, como também estética e afetiva. Oliver aprendeu sobre a condutibilidade térmica do diamante sentindo o frio ao encostar os lábios no anel de noivado da mãe.
O pai e a mãe, ambos médicos, compensavam sua falta de sensibilidade para os problemas emocionais dos filhos com uma extraordinária disposição para compartilhar seus conhecimentos. E também com uma espantosa tolerância.
Em busca dos piores cheiros do mundo, Oliver despejou ácido clorídrico sobre sulfato ferroso, produzindo uma nuvem fétida e venenosa de sulfeto de hidrogênio que invadiu toda a casa. Os pais apenas instalaram um exaustor no laboratório e lhe disseram para usar quantidades menos generosas.
Em outra ocasião, jogou num lago um pedaço de sódio de um quilo e meio. Na água, esse metal se incendeia imediatamente e gira na superfície como um meteoro enlouquecido, espalhando chamas amarelas.
Hoje, nenhum professor de ensino médio ousaria reproduzir a maioria das experiências sugeridas por velhos manuais vitorianos que Sacks lembra com tanto prazer. Muitos julgariam irresponsável até mostrá-las na tevê com a costumeira advertência: “não tentem fazer isso em casa, crianças!”
Entretanto, foi ao reproduzir com as próprias mãos o trabalho de grandes químicos, cuja vida e obra conhecera nos livros que avidamente procurava nos sebos, que o futuro neurologista descobriu toda a riqueza e fascínio da ciência.
Mesmo quem jamais conseguiu ver na química mais do que uma lista de fórmulas e nomes que teve de decorar para o vestibular, pode se fascinar e comover com a história dessa redescoberta pessoal de algumas das descobertas da humanidade.
Fãs do neurologista, que tanto aprenderam sobre os mistérios do cérebro humano ao ler sobre seus estranhos pacientes, também gostarão de ver como essa ciência feita em casa – mais bela e divertida que a magia de Hogwarts – ajudou Oliver Sacks a evitar a loucura e da delinqüência à qual se entregaram muitas das crianças que viveram traumas semelhantes.