Quaderna 14/10/2024
A Jornada dos Miúdos
Nessa grandiosa obra de Tolkien, o erudito dos eruditos, temos ?A Sociedade do Anel?, primeira parte de sua epopeia, onde o pequeno, frágil e desvalido Frodo Bolseiro, cabra miúdo, sem mais de onde cair morto, é arrastado pra dentro de uma aventura tão gigantesca quanto o céu do sertão. Ao seu redor, ergue-se uma companhia de valentes, com tudo quanto é gente: magos de barba longa, guerreiros calejados, elfos de orelha afiada e anões ranzinzas, montando um conjunto digno de cordel. E todos têm uma missão: destruir o Anel do Poder, relíquia do mal que, igual à Onça Caetana do além, promete enredar o mundo nas sombras.
O mapa dessa jornada é desenhado com detalhes miúdos e grandiosos, da floresta viva de Lothlórien às montanhas geladas de Caradhras, e as batalhas travadas são tão épicas que cabem nas cantigas de cegos repentistas. Cada canto de pedra, cada riacho cantador parece esconder milênios de histórias, como as que vovó contava sob o alpendre. No entanto, o que deixa o fio da trama mais arrochado é a grandeza moral de seus personagens, que não se deixam levar só pela espada e pela magia, mas pela amizade, o sacrifício e a coragem diante da tentação do Anel, esse demônio de ouro, sorrateiro e traiçoeiro como uma raposa em tocaia.
Mas, cuidado, pois nem só de valentia vive o livro. Tolkien, com a sabença de um cangaceiro dos saberes antigos, nos lembra que o maior perigo não é a força bruta dos exércitos de Sauron, mas a corrupção insidiosa que o Anel vai sussurrando no ouvido de cada um, seduzindo até os mais fortes. Essa sociedade unida se vê, pouco a pouco, provada e dividida. "A Sociedade do Anel" é uma jornada que não acaba aqui, mas crava no leitor a certeza de que o caminho até o fim será tanto duro quanto majestoso, feito trilha de cabra nas serras, cheia de tropeços e maravilhas.