Craotchky 22/07/2022Finitude, velhice e solidãoUma premissa problemática; um raro protagonista idoso; Uma incomum narrativa de Gabo em primeira pessoa. E certamente um dos livros mais memoráveis desse ano.
Ainda que a premissa seja ofensiva, acredite, este livro consegue ser bonito em vários momentos. Durante a obra Gabo aborda temas como solidão, carência, finitude e principalmente velhice. Tão pouco abordado na literatura, o avanço da idade (e a consequente aproximação da morte) é sem dúvida o assunto onipresente aqui; está sempre recheando as páginas, mesmo que escondido nas entrelinhas, permeando os pensamentos e por trás das ações do protagonista.
"É que estou ficando velho, disse a ela. Já ficamos, suspirou ela. Acontece que a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê."
Naturalmente, a questão do velho acordar certo dia no ano de seus 90 anos e desejar, como que fortuitamente, uma noite de amor com uma jovem virgem, é problemática. Ainda que uma relação sexual entre eles não aconteça em momento algum, e que mesmo qualquer toque físico seja escasso, a ideia está presente como intenção primeira do protagonista, e pode incomodar. Porém o fato é que seu passado é mais problemático que seu presente...
Ao longo da narrativa nosso nonagenário parece criar laços afetivos de ternura para com a jovem. Mesmo que esses afetos tenham origem em idealizações por parte do narrador, essa gênese, a princípio, não os tornam incontestavelmente falsos. Pelo que lembro, após vê-la pela primeira vez, o velho jamais faz qualquer tentativa de prática erótica. Como disse, a ideia de uma noitada de amor com uma jovem virgem aparece sobretudo como uma intenção primeira, projetada e imaginada em sua cabeça, mas abandonada nos grotões de seus pensamentos a partir do instante em que vê a jovem.
O capítulo 4 (o penúltimo) é o ponto alto da história e termina colocando uma dúvida cruel perante o leitor(a); uma dúvida a partir da qual o destino do protagonista pode tomar esta ou aquela direção. Ao encerrar o capítulo fiquei matutando sobre qual era a verdade entre as duas possibilidades que constituíam a dúvida. Finalizei esse capítulo tão satisfeito pelo seu conteúdo e seu final em aberto, que cogitei sinceramente encerrar a leitura nele.
O que acabou me levando ao quinto e último capítulo não foi tanto o desejo de quem sabe descobrir a verdade quanto à dúvida, mas sim unicamente um despropositado senso de dever de leitor em completar a leitura. O desfecho não é ruim, veja bem, mas penso que eu ficaria mais satisfeito se tivesse encerrado a leitura no quarto capítulo, uma vez que ele, como disse, me parece o ápice da obra e termina de uma forma muito interessante. Cara, seria muito possível esgotar a leitura no capítulo 4, não por algum grande demérito do capítulo 5, mas pela suficiência do seu antecessor...