Tiago 15/07/2021
Texto fundamental
Esta edição que tenho é na verdade uma coleção de 5 ensaios.
O primeiro é o que dá titulo ao livro e foi escrito em 1849 e é um texto simplesmente espetacular. Nele, Thoreau elenca todo seu descontentamento com o governo americano que usa a sua máquina estatal para subjugar seus cidadãos. Ele foca em dois problemas específicos: a Guerra contra o México a escravidão.
Thoreau aponta, com enorme precisão, o problema do cidadão que passa a servir ao Estado como soldado, como juizes que 'legalizam' a escravidão ou mesmo o simples cidadão que se cala e aceita tudo isso passivamente. Há uma espécie de apagamento da consciencia moral de cada indivíduo em nome de conceitos morais mais abstratos como coletividade e estado de direito. Thoreau dá um exemplo muito interessante que é o do vizinho muito cordial que "se transforma" quando coloca o seu chapéu de cobrador de impostos. Thoreau diz e eu cito "Leis injustas existem: devemos nos contentar em obedecê-las?" A conclusão que ele chega é que é mais efetivo transgredir imeditamente do que tentar aperfeiçoá-las. E por que isso? Simples, o governo não tem interesse e dá pouco valor a cidadãos atentos e injustiças e sensatos. A prova disso, segundo Thoreau, é que ao longo da história, Cristo, Copérnico, Lutero, Washington e Franklin ou foram punidos ou considerados rebeldes.
Thoreau cita o seu próprio exemplo de transgressão ao se recusar a pagar impostos em protesto contra a Guerra Mexicana. Ele passou uma noite na cadeia e relata de forma magistral que "o Estado nunca confronta intencionalmente a consciência intelectual ou moral de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. Não dispõe de inteligência ou honestidade superiores, mas só de força física maior."
Em resumo, Thoreau urge que as pessoas não se submetam a autoridade do Estado (de forma pacífica, claro) caso este mesmo estado não reconheça que é o indivíduo, com o seu poder mais elevado e independente, que deriva o seu próprio poder e o trate de forma apropriada. Ao ler este ensaio em 2021, durante a pandemia do covid, não posso dizer outra coisa que este ensaio envelheceu muito bem.
Outro ensaio do livro que envelheceu muito bem foi "A Escravidão em Massachusetts", escrito em 1854. Este texto é tão brilhante quanto "A Desobediência Civil" e critica de forma devastadora todo establishment (estadual e federal) devido a aplicação da Lei do Escravo Fugido. Thoreau escreve com propriedade que uma lei, mesmo sendo 100% legal no sentido constitucional, pode ser deploráel do ponto de vista moral e deve ser sumariamente desprezada. Ele compara a ação da Suprema Corte dos EUA de decidir pela constitucionalidade da Lei do Escravo Fugido a dizer a um ladrão e assassino que as suas armas são ou não adequeadas ao crime que vão cometer.
Os joralistas também são duramente criticados pelo seu papel ao longo deste episódio (qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência). Além de criticar o apoio daod pelos jornais a toda essa imoralidade praticada pelo Estado contra a população escravizada, Thoreau ainda nos lembra que já em 1854, a classe jornalística além de servil a um pequeno cabal de interesses, sempre apelou para o que há de pior na natureza humana. Resumindo, um ensaio muito poderoso que nos coloca a pensar bastante como as vezes colocamos a fria letra da lei acima de questões morais fundamentais. Basta ver que em 2021 vários países estão com leis de confinamento/toque de recolher e passaportes sanitários que ultrapassam e muito os limites morais.
No ensaio "Onde vivi e para que", retirado do seu livro "Walden" vemos um Thoreau que preconiza um estilo de vida baseado na simplicidade e no minimalismo. Ele compra uma casa de campo e mostra que consegue aproveitar plenamente a vida sem estar escravizado com as questões mundanas da "cidade grande".
Na mesma toada também há o ensaio "Caminhar". O ato de caminhar é saudável tanto para termos uma conversa interna conosco quanto para apreciarmos a natureza, estabelecendo uma conexão com ela. Thoreau nos diz que a rotina de caminhadas pelos campos mostrou a ele uma ligação quase umbilical entre o homem e a natureza.
O último ensaio do livro, "Vida Sem Princípios" é essencialmente um receituário que Thoreau oferece ao leitor sobre como viver um vida plena e digna. Há ali um implicita crítica ao nascente American way of life, baseado no consumismo e no culto ao dinheiro. Um dos conselhos que ele dá é "nunca trabalhe apenas pelo dinheiro e nunca contrate um trabalhador que pense apenas no dinheiro".
Concluindo, posso dizer que estes textos, todos com mais de 150 anos, são uma leitura recomendada para os dias de hoje. Tanto os de cariz político quanto os de vida. Hoje passamos o tempo observando ecrãs muito mais do que observando a natureza. Para nós o plano de mais curto prazo é trocar o ecrã atual por um ecrã mais novo onde deitar os olhos. É preciso equilíbrio.