spoiler visualizartragicpendragon 12/10/2020
Marina, uma ferida aberta
"Você gosta de mistérios?"
Essa pergunta marca o início das aventuras de Marina e Oscar pela Barcelona de 1979 e também por eventos de 30 anos atrás, com personagens que lentamente vão se encaixando e completando a narrativa de eventos que levaram uma mulher completamente vestida de negro a visitar um túmulo sem identificação todo último domingo do mês.
Marina é a história de um estudante de internato que gosta de perambular pela cidade em seu tempo livre. Em uma de suas andanças, adentra um casarão que parecia estar abandonado. Lá, escuta a voz mais bela que já ouviu vinda de um gramofone e, sem querer, foge com um relógio de bolso que pertencia ao dono da residência.
Oscar, o ladrão por ocasião, se vê obrigado a devolver o item usurpado e, assim, conhece o proprietário do objeto, Germán, e sua filha, Marina, duas criaturas que vivem fora de órbita em um universo coberto de penumbra do passado, luto e solidão.
Há dentro do livro, no mínimo, três histórias que desembocam no mesmo rio. Essa é a magia de Zafón: a história principal sempre canaliza antecessoras cativantes, belas e trágicas... Marina, Oscar e Germán convivendo no casarão decrépito; Marina e Oscar em busca de algo desconhecido nas ruas de Barcelona; o passado repleto de amor e tristeza de Germán; e, por fim, a história de um homem que queria vencer doenças incuráveis e a própria morte. E que conseguiu.
Mijail Kolvenik é a lenda por trás dos acontecimentos inexplicáveis. A história desse personagem poderia até mesmo tê-lo feito merecer um livro por sua própria perspectiva. Nascido nos esgotos, conheceu a morte gradativa causada por uma doença que levou seu irmão gêmeo e, logo em seguida, perdeu a própria mãe. Coberto de luto, encontrou um médico solitário que se tornou seu pai e lhe ensinou a arte da medicina, 10 anos depois, Kolvenik se achou coberto de sangue tentando desesperadamente fazer o coração de seu único familiar voltar a funcionar. Não queria aceitar o desperdício da morte para o qual o curso natural das coisas guiava todos os seres humanos.
Mijail Kolvenik cria um império em Barcelona, se casa com sua imperatriz e, no mesmo dia, perde tudo, mas seus experimentos continuam. Nas asas negras da borboleta Teufel, Kolvenik consegue seu soro da imortalidade, porém é difícil de dizer o quanto de alguém pode continuar vivo em seu corpo após a morte. Ou diversas mortes.
Há uma análise atrás do livro que afirma que a escrita de Zafón é um gênero literário em si e essa é a mais pura verdade. Após ter lido três livros dele — e estar com vontade de ler todos os outros e reler continuamente os que já li — posso dizer que, sempre que se inicia uma leitura desse autor, o ambiente ao redor se torna antigo, mágico e levemente assustador. Em determinadas páginas, ler Zafón é algo frenético para, logo em seguida, se tornar algo como a leitura lenta de uma poesia... Todas as palavras parecem encaixadas artisticamente tal qual um quadro de pontilhismo, pequenos pontinhos posicionados de forma única para formar uma obra excepcional.
Ao finalizar o livro, é impossível não se sentir como Oscar: revisitando acontecimentos de 15 anos atrás e sentindo Marina como uma ferida aberta no coração.