Zeka.Sixx 20/05/2022
Contos afiados como navalhas
Esta edição "dois-em-um" da Ateliê Editorial traz na íntegra dois volumes de contos publicados por Márcia Denser: "Diana Caçadora" (1986) e "Tango Fantasma" (1976). Márcia é conhecida pela alcunha de "musa dark da literatura brasileira" (convenhamos, algo meio bobo) e por ser a escritora favorita do saudoso Paulo Francis (esta, sim, uma credencial de respeito).
Os contos de Márcia quase sempre envolvem flertes frustrados, transas desprovidas de afeto, bebedeiras, medo & delírio na noite paulistana. Um coquetel que beira à perfeição: envergonho-me de ter levado quase 40 anos para conhecer essa obra.
Em "Diana Caçadora", de longe o melhor dos dois livros, temos a impagável protagonista Diana Marini, escritora por volta dos 30 anos, que trabalha em empregos que odeia para poder pagar as contas: sedutora e insegura ao mesmo tempo, sarcástica, niilista, inteligente, amoral... Há diversas facetas de Diana, e todas são apresentadas em contos afiados como navalhas, em uma linguagem deliciosamente trabalhada, dosando com perfeição acidez, ironia, palavrões e erotismo. Lembrou-me demais Henry Miller, e com isso não preciso dizer que adorei. Destaco, em especial, os contos "O Vampiro da Alameda Casabranca", "Ladies First" e "Tigresa".
Já em "Tango Fantasma", a maioria dos contos tem como protagonista a jovem Madalena, de cerca de 20 anos, com uma queda incorrigível por homens mais velhos e/ou comprometidos - e que obviamente não prestam. Aqui a opção estética da linguagem é mais arriscada, mais hermética do que em "Diana Caçadora", e o resultado é mais irregular, mas há ótimos contos, dos quais destaco "Anjo", "Alexandrinos" e "O Diário de Juliah".
O ponto negativo fica por conta da revisão, que deixou muito a desejar, com muitos erros evidentes, algo que chama a atenção por se tratar de uma reedição de obras já consagradas há anos.