@garotadeleituras 14/01/2017
Antonio Callado sob um angulo diferente.
Este livro na verdade é uma reunião de dois textos jornalísticos na década de 60. Na primeira reportagem Antonio Callado trás para o leitor aspectos sociais e políticos do estado do Pernambuco na época do governo de Arraes, eleito em 1962, com o apoio do partido comunista brasileiro e das oligarquias canavieiras; sua política foi considerada de esquerda, pois forçou os usineiros e donos de engenho da Zona da Mata do Estado a estenderem o pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais (o Acordo do Campo) e deu forte apoio à criação de sindicatos, associações comunitárias e às ligas camponesas. Aqui são entrevistados alguns nomes de destaque na época como Julião e Elisabete Texeira, padres (papel da igreja) e líderes das cooperativas. Além disso, Callado, claramente simpatizante do movimento na época, discorreu nas suas entrevistas sobre as condições precárias de vida no Pernambuco, aspectos da revolução, o resultado do plano Paulo Freire para os analfabetos que eram excluídos das decisões políticas e o papel da Sudene em criar soluções para driblar a seca.
Na parte dois do livro, acompanhamos o repórter na sua excursão ao Vietnã do Norte, em 1968. A guerra do Vietnã durou cerca de vinte anos (1955-1975); um confronto com resultados atípicos: de um lado um país subdesenvolvido vencedor, pobre, analfabeto, que tinha na agricultura do arroz sua fonte de subsistência, e do outro, derrotado, com um imenso poder militar e econômico, os norte-americanos. Callado entrevista líderes do movimento popular vietcongue e conhece de perto o processo dessa resistência, que assim como Pernambuco, passava por uma revolução interna, desde a adequação a situação de guerra constante, as transformações na indústria, educação e política. Ainda segundo Callado, ao se dirigir a Hanói como repórter profissional, buscava acima de tudo entender como aquele país conseguiu dobrar os Estados Unidos e levá-lo a conferência de Paris em 1968.
Quando a leitura das duas reportagens é finalizada, o leitor acaba fazendo correlações sobre os acontecimentos naquela década de 60, em duas localidades tão distantes, mas que apresentavam aspectos em comuns: a fermentação de movimentos populares, implantação de alfabetização intensa, a escolha de líderes do “povão” e o ideal socialista/comunista que se disseminava no cenário político. Durante suas visitas às escolas, fábricas, usinas, campo de guerra, entrevistando pessoas comuns atrelados aos movimentos, (líderes, guerrilheiros, simpatizantes) Callado queria mostrar em tempo real o que acontecia, mesmo que, ao ler o texto, não tenha tanta imparcialidade assim (mas vamos deixar as questões políticas de lado). Na verdade, o que ele queria passar era que o povo lutava pelo direito de fazer a própria história e escolher o futuro e a arma era a revolução popular.
Não conhecia essa faceta do autor. Meu primeiro contato foi anos atrás, quando descobri na biblioteca da escola o livro Quarup, um calhamaço com mais de 800 páginas. Na época gostei bastante da sua escrita, e mais tarde faria releitura sem saber que segurava em minhas mãos, um clássico da literatura nacional; em Antonio Callado Repórter, contemplei outra faceta do autor, e gostei. Não é aquele livro que você indicaria para todos, até porque, alguns não gostam do gênero, mas tenho certeza que para os que apreciam, encontrarão nessas páginas dois excelentes textos jornalísticos (Não considerem a visão política e sim a qualidade da escrita).