spoiler visualizarAntonio 11/04/2021
Pretinha de Neve: Uma Paródia?
Pretinha de Neve e os Sete Gigantes é, supostamente, uma paródia de Branca de Neve e os Sete Anões. Mas o que é Paródia?
No livro Paráfrase, Paródia e Cia de Afonso Romano de Sant’Anna, há uma explicação sobre conceitos como paráfrase, paródia, estilização e apropriação. Todos esses são conceitos muito presentes na Literatura Moderna, pois os escritores modernos visitam (revisitam) obras clássicas, citando-as ou recriando-as, mas mantendo a tradição literária. O fundamental é dizer que algumas obras vão na mesma direção da obra original (Paráfrase ou Estilização). Outras (a Paródia!) vão na direção contrária: criticando, ironizando, ridicularizando (aqui o humor é importante), enfim, há uma subversão da obra original. E aí será que Pretinha de Neve é mesmo uma Paródia?
Inicialmente, dizemos que sim. Pois há a ideia de uma subversão dos parâmetros de beleza: a beleza branca europeia é substituída pela beleza negra africana. Sabemos que essa é uma questão ideológica (estamos no Brasil!) e as crianças de hoje já sabem, e se apropriam dessa “revisão de conceitos”.
E a história começa com Pretinha de Neve, que morava num castelo no monte Kilimanjaro, na África, muito alto e coberto de Neve – ou seja, a neve está de fato presente. Ela tem um padrasto (e não madrasta), um rei mandão, que exigia da mãe de Pretinha que fizesse doces o tempo todo, pois era muito barrigudo. O problema de Pretinha é não ter nem a atenção do padrasto, nem a da mãe, que sempre está cozinhando.
Pretinha não tinha com quem brincar, e morria de frio. Aí ela olhou seu reflexo no tacho de cobre e reclamou. E o tacho de cobre respondeu! Ela diz que quer ir lá para baixo, onde não fosse frio, e pudesse brincar com alguém. O tacho acha que isso vai dar problema.
Mas ela vai, com doces na mochila! Chega a lugares belíssimos e coloridos. Só que os doces derreteram na mochila, e ela ficou com fome. Então chegou a uma cabana enorme. Entrou, e tudo era gigante: sete camas, sete cadeiras... Ela comeu a comida que estava num panelão, e comeu até ficar satisfeita. E dormiu. Aí chagaram os gigantes (Eu vou, eu vou... Comer mingau, agora, eu vou!) Pretinha ouviu e se escondeu de medo. Eles perceberam que alguém muito mal-educado estivera ali, e Pretinha sai da cama dizendo que não era mal-educada, não! E feitas as devidas apresentações, eles aceitam que ela more ali, e brincam todos de esconde-esconde (agora ela tem com quem brincar!)
Mas a mãe de Pretinha estava muito triste. E ela conversa com o tacho de cobre! E ele conta que Pretinha teve a ideia de descer a montanha, mesmo contra sua recomendação. O Rei ficou ofendido com essa desobediência, e resolveu ir buscá-la, ele mesmo, vestido de mendigo. E ele achou até bom sair um pouco, tomar ar fresco, sentir o calor. E começou a perceber que a Pretinha tinha seus motivos para fugir... E ele encontrou a grande cabana.
A Pretinha, quando viu o “mendigo” perguntou o que ele queria. Ele foi oferecer o doce a ela, mas estava derretido! Sendo assim, ela reconheceu a voz do padrasto! E o padrasto disse que todos estavam com saudades dela. E foi sincero!
Os Gigantes chegaram, muito bravos, e o Rei morreu de medo. Mas Pretinha explicou tudo. Ela também estava com saudade. Aí o gigantes entenderam o que tinha acontecido, e pensaram em uma solução para tudo isso: “A gente podia construir um novo castelo aqui embaixo para a família real. Eles viveriam em um lugar mais alegre e seriam nossos vizinhos. Que tal?”
Os Gigantes construíram um novo castelo, ali, onde tinha muito sol. O Padrasto, a Mãe e Pretinha passaram a viver ali, foram muito felizes, e passaram a almoçar juntos com os Gigantes todos os domingos.
Como percebemos, a história começa como Paródia, pois é a história de Branca de Neve transposta para outra realidade – com o suposto objetivo de questionar os padrões de beleza. Mas não é bem isso o que acontece. Tirando a transposição em si, criando a percepção que as histórias podem acontecer em qualquer lugar – poderíamos ter uma Branca de Neve índia, uma oriental, enfim, temos uma brincadeira com os elementos do conto – o espelho é transformado em tacho de cobre, a madrasta em padrasto – com um espírito inegável de brincadeira, ao fazer referência a contos de fada em geral (o capuz vermelho de Chapeuzinho Vermelho é citado), com a metalinguagem. Enfim, trata-se de Paródia por assumir a brincadeira como princípio norteador, mas não exatamente por ser crítico.
E aí também pensamos nas diferenças entre o original e a paródia. O conto Branca de Neve traz conflitos fortíssimos: O ódio, a inveja da madrasta por Branca de Neve, que decide mandar mata-la. Em Pretinha de Neve — como costuma acontecer na literatura contemporânea para crianças — os conflitos são suavizados ao máximo. Ninguém manda matar ninguém, ninguém tem ódio de ninguém. Pretinha de Neve foge por sentir tédio e não ter com quem brincar. Percebem por que os contos de fada tradicionais são insubstituíveis? Ao suavizar o conflito, a história também perde boa parte do seu alcance psicológico, pois as próprias relações entre personagens ficam num nível superficial.
Assim, esse livro serve como brincadeira, como uma alusão a outras realidades (a África), mas não vai tão fundo. A sugestão é que as crianças percebam essa transposição, e façam elas próprias outras “adaptações”, brincando com os elementos do conto. A brincadeira sempre vale a pena!
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