Ruh Dias (Perplexidade e Silêncio) 05/09/2016
SUGESTÃO DE LEITURA
Este livro faz parte do Rory Gilmore Book Challenge. Para quem não sabe do que se trata, o desafio consiste em ler todos os livros que Rory, a personagem mais legal da série Gilmore Girls, menciona na série. São 340 livros e aqui você pode ver quais o Perplexidade e Silêncio já leu (alguns posts são feitos para outras sessões do blog, mas fazem parte da lista de livros da Rory).
Publicado originalmente em 1949, "O Segundo Sexo" é uma das obras mais celebradas e recomendadas para entender o movimento feminista. Simone de Beauvoir compila diversos estudos, referências históricas e fatos para analisar a situação da mulher na sociedade. É um livro complexo e tentarei, na medida do possível, compartilhar as idéias centrais dele.
“Os proletários dizem "nós". Os negros também. Apresentando-se como sujeitos, eles transformam em "outros" os burgueses, os brancos. As mulheres — salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas — não dizem "nós". Os homens dizem "as mulheres" e elas usam essas palavras para se designarem a si mesmas.” (Simone de Beauvoir)
Para compreender a origem da "inferioridade" da mulher na sociedade patriarcal, Simone de Beauvoir faz análises em várias dimensões, tentando compreender como este fenômeno começou e porque ele se perpetua. A primeira dimensão que ela explora é a biológica. Na primeira parte do livro, ela demonstra que, na natureza, a divisão macho/fêmea e a submissão da fêmea ao macho acontece em poucos casos, na maioria deles em mamíferos, e traz uma lista longa de exemplos de espécies onde macho e fêmea são iguais. Ela reforça que os aspectos biológicos (menstruação, hormônios, gravidez) não devem servir de justificativa para a inferioridade das fêmeas. Na minha opinião, foi a parte mais maçante do livro e Simone demora a postular sua opinião, mas reconheço que esta dimensão biológica seja um ponto importante a ser abordado.
“Não é a natureza que define a mulher: esta é que se define.” (Simone de Beauvoir)
Depois, Simone de Beauvoir parte para uma crítica à análise psicanalítica da inferioridade feminina. Para quem não sabe, ela foi casada com Jean-Paul Sartre, criador do Existencialismo, que teoriza o oposto de Freud, criador da Psicanálise e, por isso, Simone esteve incluída no universo da Psicanálise por muitos anos. Como sou psicóloga especializada em Freud, esta parte do livro fluiu bem e consegui entender o ponto-de-vista dela (e a voz de Sartre ao fundo em suas teorias), mas é um trecho do livro que alguns leitores podem não entender, pois tem vários termos técnicos de Psicanálise.
Nesta sessão do livro - e também mais adiante - Simone faz muitas críticas à instituição do casamento e conta toda a História do mesmo, mostrando que, no início, a mulher era vista como uma propriedade que deveria ser passada do pai ao marido. Ela também demonstra que conceitos como fidelidade, adultério e divórcio eram impraticáveis às mulheres, afinal, elas eram apenas um "bem" que o marido possuía e, por isso, não poderia agir com livre-arbítrio. Ela mostra como o casamento acontece, como instituição econômica, desde o século XVI, passando pelos romanos, gregos, etruscos, egípcios e Idade Média. Para mim, esta reflexão foi a mais interessante do livro, pois nos faz repensar muitos ensinamentos que recebemos quando ainda somos crianças e que são repassados geração após geração, sem grandes questionamentos da sociedade.
“A desvalorização da mulher representa uma etapa necessária na história da humanidade, porque não era de seu valor positivo e sim de sua fraqueza que ela tirava seu prestígio.” (Simone de Beauvoir)
Adiante, Simone de Beauvoir começa a explorar a questão dos mitos que envolvem as mulheres,. Nesta parte do livro, ela lista e comenta diversos mitos religiosos (Ave Maria, Deusa-Mãe, etc) até os mitos mais "cotidianos" (os mistérios femininos, "a mentalidade a mulher é diferente", e por aí vai). Conforme ela demonstra quantos mitos cercam a figura da mulher, fica claro para o leitor que tais mitos enfraquecem sua identidade, colocando-a numa posição passiva e sem energia. Outro ponto importante que ela observa mostra que é muito mais fácil para os homens dizerem que não entendem a "cabeça das mulheres" do que analisarem seu pré-conceito e refletirem que trata-se de uma distinção ridícula. Aqui, ela vai mais além e inclui, nestes mitos enfraquecedores, a noção padronizada de beleza da mulher, questões como moda e maquiagem (que ela condena) e outros comportamentos cotidianos que se enraizaram como pertencentes ao "mundo feminino".
Continuando sua análise histórica, Simone de Beauvoir percebe que “A mulher burguesa faz questão de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe.” Com isso, quando a mulher finalmente conquista um pouco de independência e poder econômico, ela não o usa a favor da libertação feminina, por comodismo e conformismo. Simone, então, mostra que a própria mulher é responsável pelo lugar em que se encontra na sociedade, pois não luta por si mesma como deveria, reforçando o domínio dos homens (brancos). Continuamente, Simone compara as mulheres aos negros, dizendo que estes sim sabem lutar pelos seus direitos.
Fiquei perplexa com os assuntos atuais que o livro aborda e por perceber que, quase 70 anos depois, ainda precisamos tocar neles: aborto, divórcio, abuso psicológico e emocional, direito a voto, participação na política, e por aí vai. Simone é apaixonada e, por vezes, radical, e não há como negar sua inteligência e a argumentação lógica e factível dela. Embora ela escreva tomada por um arrebatamento e uma paixão acalorada pelo assunto, nota-se que Simone de Beauvoir preocupou-se em estruturar suas opiniões em fatos e na própria História, afinal, contra fatos não há argumentos. Assim, ela desarma qualquer tentativa de descrédito do seu movimento feminista.
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