Polly 07/03/2020
O Diário de um Mago: uma peregrinação interna (#101)
Atenção: como personagem e autor têm o mesmo nome, sempre que eu estiver falando de Paulo estou me referindo ao personagem, e quando falar Coelho será ao autor. Pronto, você já pode ler a impressão literária sem confusão!
Deixar leituras pela metade é ainda um dos bichinhos da vaidade de leitora que me incomoda bastante. Já deve ter dado para notar, não é? Vez ou outra eu falo aqui de um livro que eu tinha tentado antes e depois de um tempo voltei a ele para tentar de novo. O Diário de um Mago foi um desses. Quando tentei a primeira vez, abandonei-o porque ele é um livro essencialmente lento e lentidão não é algo com que milleniuns sabem lhe dar na maioria das vezes. Ainda que você seja um daqueles milleniuns que lute com unhas e dentes contra essa pressa do século XXI, o piloto automático sempre é acionado em algum momento. Inevitavelmente.
No início de 2020, achei que meu humor e o tempo estavam favoráveis a essa leitura. Reiniciei-a. Nunca tinha lido Paulo Coelho até então. E, pelo que ouvia falar, ou só era possível amá-lo até as entranhas ou só odiá-lo profundamente. Acho que eu entendi por quê. Os odiadores o acusam de autoajuda disfarçada e é, só não sei se concordo com o disfarçada. Coelho transformou essa busca pelo melhor de si mesmo em literatura, em arte, e, honestamente, não vejo problema nisso. E acho que os que o amam, amam-no justamente pelos mesmos motivos dos que o odeiam.
O Diário de um Mago mistura um pouco de ficção com realidade. Seu protagonista também se chama Paulo, que é uma pessoa versada em magia. Com a ajuda do mestre Petrus, Paulo percorre o Caminho de Santiago em busca de sua espada. Tudo o que acontece durante o livro são apenas alegorias de tudo o que Paulo quer nos contar. Os fantasmas, os desafios, os monstros, tudo o que o mago enfrenta na vida real(?) são só metáforas dos próprios fantamas e monstros internos mal resolvidos.
Aplaudo Coelho por transformar os conflitos internos e a busca por aprender a conviver com eles em arte. Sim, mesmo que você vire o nariz para a literatura de Coelho, o que ele faz é arte. Toda forma de expressão sem uma definição clara de utilidade é arte. A definição mais sucinta que já ouvi de arte é que ela não serve para nada e, dessa forma, serve para tudo.
Durante a leitura, vi-me fazendo uma pergunta que sempre evito de fazer a mim mesma (apesar de acreditar que é ela que nos ajuda a enfrentar os monstros interiores). Estamos sempre preocupados em nos perguntarmos "para onde vamos?", "onde queremos chegar?" e, na verdade, a pergunta que deveríamos sempre estar a nos fazer é "onde estamos nesse exato momento?", "é onde queremos ficar?". Só por isso já vale a pena a leitura.
Paulo aprende que "sua espada", que interpreto como sua paz interior, não está no fim do destino, mas durante todo o Caminho de Santiago. Porque tudo o que ele tem é apenas o caminho. É apenas o agora.
Não posso falar que O Diário de um Mago seja um livro que mudou a minha vida, nem que será um dos meus preferidos. Acho que prefiro filosofia à autoajuda, e a diferença entra as duas é que a primeira só te faz perguntas e espera que você invente umas tantas outras em busca das respostas, já a segunda tenta de orientar a uma resposta mais ou menos pronta. Você só tem que escolher qual é a que te satisfaz. Mas, acho que, em certa medida, o livro me fez pensar sobre minha própria existência, logo filosofar sobre ela.
Enfim, não seja hater de livros. Ele pode ser uma boa experiência para uma outra pessoa. Considere suas falhas, debata sobre elas, mas nunca impeça um livro de ser aberto. Confesso que já fiz isso. Tem algumas impressões literárias aqui das quais me envergonho. De verdade. Mas, elas ficarão aqui para me lembrar que a gente sempre tem o que melhorar.
No mais, se você for da autoajuda, pega O Diário de um Mago já. Se não for, deixa quieto e tudo certo.
site: https://madrugadaliterarialerevida.blogspot.com/2020/04/o-diario-de-um-mago-uma-peregrinacao.html