Henrique Fendrich 03/03/2019
Viagem pela gênese do conto
Deixei para ler esse exemplar da coleção “Maravilha do Conto” mais para o fim, por achar que não seria dos mais agradáveis, mas eu estava redondamente enganado.
São lendas, mitos, folclores variados, de diversos países, histórias transmitidas oralmente por incontáveis gerações e que são, pode-se dizer, a própria gênese da literatura. Acontecem muitos eventos mágicos, animais falam, pessoas ressuscitam, mas é interessantíssimo observar o conteúdo dessas histórias e de que maneiras elas se relacionam com os povos que a contavam.
O conto "A história dos quatro brâmanes loucos" é uma deliciosa sátira feito pelos "párias" indianos, ou seja, a classe mais baixa e humilhada da Índia, e de certa forma os vinga perante a história. É uma história hilária.
"A festa das lanternas" é um antigo conto popular chinês que remete a "Rip Van Winkle", do Washington Irving, mostrando que não é apenas nas antigas lendas germânicas que se encontrava a lenda de pessoas que permaneceram com a mesma idade enquanto o mundo ao redor envelhecia.
Há ainda uma versão italiana de “Romeu e Julieta”, antes de ser eternizada pelo Shakespeare.
Eu gostei bastante também de “O destino”, antiga lenda iugoslava, em que um sujeito azarado pelo destino descobre um meio de escapar da má sina: dizer que as coisas que a ele pertencem são de outra pessoa, uma pessoa com melhor sorte.
Gostei também “A lenda de La Sarraz”, conto suíço, sobre um sujeito que, depois de um encantamento, não morria mais.
Há contos com diabos, contos de incríveis metamorfoses, contos com seres fantásticos dos mares, muitos contos que apresentam uma “explicação” popular para coisas que existem, para o próprio ser humano e a Terra.
Nessa categoria se sobressai o conto hindu “Adima e Heva”, extremamente parecido com o mito de “Adão e Eva”, só que muito antigo, de tal forma que é impossível não constatar que o relato bíblico foi inspirado no relato hindu (uma notável diferença é que, no conto hindu, a participação da mulher é admirável ao longo de todo o conto, enquanto que no relato bíblico a culpa recaiu principalmente sobre ela).
Há contos populares brasileiros, contos indígenas, contos negros, contos da África, do Peru, do México, da Irlanda, da Polônia, do Japão, da Coreia, de Macau e ainda outros lugares.
Por fim, um conto de Hans Christian Andersen, “O rouxinol”, único conto com autor identificado na coletânea, mas que aos poucos vai se tornando anônimo, na medida em que o povo se apodera da história e a conta sem se preocupar com a origem.
Uma viagem incrível, esse livro.