Pri.Kerche 13/03/2024
Nostalgia
Escrito em 1944, esse livro fez parte do imaginário e da infância de várias gerações. Integra a coleção vaga-lume e ainda hoje é editado.
Conta a história de dois irmãos (Henrique e Eduardo) que moram em São Paulo e vão para o interior, passar as férias na fazenda dos padrinhos, próxima a Taubaté e onde corre o rio Paraíba.
No rio há uma ilha misteriosa muito comentada nas conversas da criançada e apelidada de "ilha perdida".
Os garotos encontram uma canoa velha e decidem ir até a ilha para explorá-la, só que não falam a verdade para os padrinhos. Como o padrinho proibia ir até lá, eles dizem que passariam o dia excursionando a pé até uma fazenda vizinha.
No dia da aventura, o volume do rio aumenta muito depois que os meninos chegam à ilha e eles não conseguem voltar. No dia seguinte, a corrente violenta leva a canoa embora e eles ficam presos na ilha onde passam 8 dias. Mas no final tudo acaba bem porque eles são resgatados.
Apesar da história ser gostosa de ler e do ar de nostalgia, minha nota é 3 porque algumas coisas me incomodaram:
1. Num momento em que os irmãos se separam na ilha, um deles (Henrique) é encontrado por um ermitão que vive na ilha. Simão, assim se chama o ermitão, diz que o garoto ficará seu prisioneiro e não poderá mais sair da ilha. Henrique passa a semana na "casa" de Simão, que é uma gruta muito confortável com móveis e cobertores feitos de materiais da ilha (penas, cipós etc). É uma mistura de casa do Robinson Crusoé com aquela cabana da Lagoa Azul. É legal ler as descrições. Na casa-gruta Simão convive com muitos animais: uma oncinha, uma tartaruga, papagaio e morcego, além de 5 macacos e um veado que volta e meia vem visitá-lo. Aqui lembramos um pouco de "Mogli, o Menino Lobo" e de "Tarzan". É tudo muito lindo, mas o que me incomodou foi que a maior parte da história se passa nessa convivência de Henrique, Simão e os animais, onde o garoto vive aventuras e tem aprendizados. Só que o problema é que o outro irmão simplesmente desaparece da história! Eduardo é esquecido, enquanto o Henrique vive uma superaventura, a autora não fala um "a" de Eduardo! Nem uma microcena!! Nada! Só depois que Simão percebe a saudade que Henrique tem da família e decide levá-lo à prainha do rio para que ele seja resgatado, só aí aparece de novo o Eduardo, magro e cansado porque ficou a semana toda trabalhando com uma faca e um machadinha pra construir uma jangada pra se salvar.
Então, essa disparidade injustificada de destinos dos personagens: um que vive uma superaventura e come do bom e do melhor durante uma semana e outro que passa fome, frio e trabalha desesperadamente para se salvar. Também, e o fato do personagem Eduardo "desaparecer" de cena e não ser se quer mencionado por boa parte da história, incomoda muito.
2. Outra coisa que incomodou foi que os meninos ficaram 8 dias desaparecidos e os padrinhos procurando, mas qd os encontram, dizem que "ainda bem que não avisamos seus pais"... Gente! Como assim não avisaram os pais? Foram 8 dias!! e não 8 horas! Achei muito absurdo, mesmo levando em consideração a data da obra.
3. Por último, a história pretende passar uma mensagem de amor e respeito aos animais, de valorização da natureza. Para isso, os animais recebem personalidades e nomes, como o papagaio que se chama Boni e o veado que se chama Lucas. Mas ao mesmo tempo que há animais humanizados, há outros criados para abate, pois Simão diz que cria capivaras para extrair óleo e comer a carne. E em dada cena, quando uma veadinha é baleada por caçadores, Simão condena que os caçadores nem se quer comem a carne de veado e diz que "se querem caçar, vão caçar leões na África". Então, a mensagem fica meio manca, pois continua havendo animais importantes e quase humanos (pets) e outros que são coisas. Sem contar que um caçador matar um veado ou um leão, é um vida que se vai da mesma forma. E tanto um quanto outro tem seu papel na biodiversidade e no ecossistema, enfim, ambos fazem falta.
Encerro essa resenha com as palavras de Simão:
"— Escute uma verdade, Henrique: quanto mais culto um povo, melhor ele sabe tratar os inferiores e os animais. Isso demonstra grande cultura e você nunca deve esquecer."
Pra mim, essa é a mensagem principal do livro. Os três pontos que destaquei acima não apagam essa mensagem. Ela poderia ter sido passada de maneira mais forte se não fossem essas inconsistências, mas não tem problema, o livro continua interessante e é até bom que tenha esses pontos para serem debatidos.
Obrigada Michela e Vanessa, obrigada pela companhia na LC. Eu acho que eu tinha lido outra ilha kkk e foi ótimo encontrar a ilha perdida com vocês!