R...... 12/06/2017
De início desperta bastante a atenção, instigando curiosidade, mas a narrativa vai se tornando chata e parte disso deve-se ao direcionamento. Não é uma obra de admiração à engenhosidade humana, como se supõe para uma especulação futurista, e sim de devaneio pessimista para a tecnologia que despontava em desenvolvimentos e assentamentos impactantes na sociedade.
É preciso entender o contexto em que foi publicada, o final do século 19, quando as transformações desencadeadas pela Revolução Industrial, principalmente na segunda metade desse século, moldavam profundamente a sociedade, correlacionando desenvolvimentos em diferentes áreas e desdobrando novos campos de estudos. Tudo transformador para a civilização, pelo mecanicismo e doutrinamentos inovadores como o taylorismo. Diante desse quadro, o livro me parece receoso, confuso com a dinâmica moderna, projetando escravidão a um novo modo de vida na sociedade. O autor não se detém em enfatizar novidades, mas em contemplar uma expectativa temerosa que lhe instigava nesse período.
Na prática, essa questão se desenrola através de um casal, claramente receoso em suas projeções futuristas. Marta e Maurício atravessam os séculos, desde o século 19, através da intervenção de um cientista (ou mago) que faz com que, literalmente, morram e despertem no ano 3000.
A parte referente à visões tecnológicas chega a ser engraçada. É um futuro idealizado pelo século em que viviam, onde o vapor é o principal agente das máquinas. Existem submarinos no transporte semelhante à peixes (chamados douradas) e a travessia de pessoas por alguns rios foi o aspecto mais surreal (entravam em bolas gigantescas, unidas por correntes, que eram disparadas por canhões). Vemos muita entrega ao poder da ciência, que desenvolveu artifícios para todas as atividades humanas.
O que é de se admirar, motivação da viagem do casal, é a comprovação do que imaginavam. Os homem são totalmente submissos a um modelo de vida tecnicista. Tudo é muito controlado, fiscalizado, medido, registrado, avaliado, idealizado para se encaixar em um modelo predeterminado e até com um valor atribuído. Distopia total, com regras para tudo, sob a fiscalização tecnológica e com pouco trabalho para a humanidade. Existe sistema de geração, criação e cuidados com as crianças. Enfim, um mundo controlado e assim, para quem tem um olhar externo desvinculado dessa vivência, muito infeliz pela falta de liberdade nas escolhas.
O encaminhamento final é para um confronto com Deus, como se o homem fosse autossuficiente e então vem um juízo destruidor sobre a Terra, que geraria uma ocasião de reconstruções e renascimentos em disposições.
E é isso a dinâmica do livro. Me perdoem o spoiler, procurei registrar mais o que entendi do que pormenores da história.
Também deixo um registro curioso sobre a autoria. É apresentada como a primeira ficção científica na língua portuguesa, só que ela não é original. Nasceu de plágio de autor português à uma obra de autor francês da primeira metade do século 19, mas diferenciando-se na contemplação do devaneio futurista. É rapaz! Não vou perder a oportunidade de observação ácida. Se para o futuro houve receios em uma construção estabelecida pavorosa diante do novo e inusitado, no passado o autor mostrou as mesmas disposições do colonialismo de sua terra em apropriar-se dos produtos de outros. Dá para pensar em conformismo com modelo em uso (por ser conhecido e favorável a certos interesses) com fuga e repulsa de novidades (por representarem perdas para os dominadores do sistema em prática).
A obra tem seu valor e aspectos interessantes, mas também é notório o pessimismo pela incompreensão e adaptação diante de novidades. Se a humanidade no seu todo fosse sempre receosa, estaríamos sempre no mesmo ponto. O medo não vem para tolir, mas para ajudar a adaptarmos nas melhores escolhas.
Ah, li em versão ebook no meu micro celular e talvez por isso (também) curti menos do que esperava na leitura.