spoiler visualizarDebs 28/08/2016
As Consequências Humanas
A anulação das distâncias geográficas é analisada por Sigmunt Bauman no primeiro capítulo de seu livro: Globalização e as conseqüências humanas. A gradual extinção da idéia de “longe” e “perto” se constrói a medida que os limites territoriais são dissipados pelas tecnologias e pelo crescente desenvolvimento do transporte da informação que alavanca o processo de enfraquecimento das totalidades culturais e sociais locais. Segundo a análise do autor, é possível identificar a conexão entre o tempo de passagem na transição de informações e a coesão social. Ambos se interdependem, quando a coesão se dá a partir de um senso comum e a flexibilidade social de “comunicação barata”. Ligado a esse aspecto de conexão quase intrínseca entre espaço e tempo, Bauman discute a formação de uma classe de proprietários ausentes. Estes traduziriam o conceito de elites globais, firmado outrora pela prisão a localidade do meio de extração de riquezas., agora extraterritoriais que possuem independência e são isentos de responsabilidades em relação aos poderes locais das peculiaridades territoriais. Essa mobilidade reflete-se na flexibilização das relações trabalhistas até a obrigação de atendimentos de caprichos, sob o risco de “perder investimentos”. Dentro dessa edificação das elites móveis acabam, devido ao modelo administrativo em âmbito empresarial e estatal, retirando de certas pessoas a essência da caracterização regional e extraterritorializando signos de geração de comunidades. Essa distribuição, em que uns possuem mobilidade a agilidade comunicacional e outras buscam, sem sucesso, a “domesticação apropriação” de sua localidade, constitui um paradoxo, já que cria signos para parte e para outra parte ( maior ) antecipa a ausência de significação.
Essa ligação parece definir-se mais ainda quando o autor analisa a classe “despossuída”, já mencionada anteriormente, pois estão impossibilitadas de moverem-se e presas a uma
espacialidade na qual nem conseguem mais decifrar seus códigos, justamente por escaparem de seu controle.
O autor faz uma breve constatação sobre os poderes pré-modernos, que obscurecem a realidade para os súditos, sempre conquistando seus objetivos através da força bruta. O estado pré-moderno, devido a ausência de análise justas e corretas, cobrava tributos de forma predatória das aldeias. Assim, buscava-se uma “modernização dos arranjos sociais” ditados pelas práticas dos poderes modernos buscando o estabelecimento e consolidação do controle. Esse esforço objetivava o domínio do espaço social à subordinação de uma mapa detido pelo estado, que para tanto usava observadores que, do modo como eram dispostos, viam da mesma forma. Com a acepção da perspectiva ligou-se os estudos de distância a homogeneização promovida pelo estado moderno.“ Essa concepção deu sustentação para a argumentação de que o “ponto no espaço” melhor, seria o do estado moderno.
Esse processo originou então a transformação do mundo. Ele passou a ser “transparente” e a servir a administração supracomunitária. O autor insere em sua narrativa então, a teorização do modelo panóptico do poder moderno, que apoia-se no comportamento dos internos de uma “torre central” em forma de estrela. Esse comportamento é pautado pela paranóia de uma observação constante. O panóptico é, enfim, um espaço artificial com finalidade de manipular conscientemente a rearrumar as relações sociais e de poder, buscando determinar um determinado grau de perfeição.
Por isso, as utopias urbanas são vistas por Bauman como antecipação da modernidade. Teóricos e praticantes vêem a cidade futura como encarnação da liberdade, razão. A cidade moderna é um lugar puro, descontaminado do processo histórico, contrariando e fadando a extinção, todas as cidades existentes. Essa desmaterialização de espaço-tempo mais a idéia de felicidade racional ou racionalidade feliz, se transforma em um mandamento, uma regra que premia uma vida regrada a partir de um modelo de felicidade, ou seja, o estado moderno controla todos, através de uma supervisão eterna e ordenamento das regras de convívio. Essas “cidades futuristas” viabilizariam com perfeição, essa idéia.
Na brilhante análise da imersão globalizadora que vivenciamos, Sigmunt Bauman constata um ciclo que impede a perpetuação do modelo panóptico. Através de citações, o texto propões uma reflexão sobre as tentativas de homogeneizar o espaço urbano. As conseqüências neste caso são sempre assustadoras, justamente porque destrói os laços humanos, destituindo o homem de qualquer encorajamento contra desafios e dificuldades. A identidade das habitantes nessa busca desenfreada pela transparência passa a desfazer-se. A ampla gama de significados é distanciada através da construção de um clima denso de artificialidade, concebido pela proposta Foucaultiana.
Os preceitos orientadores da harmonia e ordem estética são impostos ignorando a existência de personalidades individuais, como cita o autor: “os homens jamais podem se tornar bons simplesmente seguindo as boas ordens ou o bom plano de outros”. Acontece que a produção desse espaço quase onírico cria, devido a formação quase que padronizada de informação dos habitantes, intolerância, discriminação e preocupação paranóica com “a lei e a ordem”. O espaço harmônico passa a ser então, devido as dificuldades determinadas pela uniformidade pessoal e, consequentemente pela dificuldade em assimilar características necessárias para o tratamento do outro ( simplesmente por ser o outro ), um nicho de medo urbanístico.O “modelo sinóptico” emerge, sobretudo, da ascensão crescente dos meios de comunicação, principalmente da televisão. Diferencia-se do modelo panóptico em diversos aspectos. O sinóptico é global e proporciona mais interatividade. Os vigilantes passam a circular no ciberespaço e podem ligar-se. No panóptico, as pessoas deveriam ser vigiadas; o sinóptico seduz as pessoas à vigilância, no panóptico, alguns residentes locais observavam uma maioria de moradores, também locais; no sinóptico, os habitantes locais observam os globais., muito embora os globais sejam mais instituições do que quaisquer outra coisa.
Diferentemente de outros períodos históricos, a globalização tem permitido e facilitado uma
dissociação entre Estado e Economia. Principalmente devido a velocidade de movimento (compressão de temo e espaço ), e mobilidade do fluxo de capital, está ocorrendo uma rápida desvinculação entre capital e nação. A facilidade de transferência de recursos, tão comuns com a finalidade de alocar recursos mais viáveis e fáceis, definha a “nação-estado”. Para o autor, “o principal alerta da nova desordem mundial foi o súbito colapso da rotina política dos grandes blocos de poder”, e lembra ainda “não há mais uma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade como um todo”. Tudo recorrente ou provocante da separação entre estado e economia.Dentro dessa lógica, a soberania estatal está seriamente abalada. O uso da “universalização” deixa de indicar uma ordem universal, e de representar a esperança, intenção e determinação de se
produzir a ordem. A nova concepção de globalização finaliza todos esses conceitos e passa a referir-se, quase unicamente, a efeitos globais, “forças anônimas”, como diz Von Wright
parafraseado por Bauman. É, portanto, nesse conceito, que cresce uma experiência de fraqueza, impotência, incapacidade da determinação da ordem, anteriormente vinculada ao estado. O autor analisa como o estado se incorporava, em outro momento a cena global. Lembra que a superestrutura do grande Cisma desvia a atenção para divergências mais profundas e mais duradouras. “A auto-suficiência do estado deixou de ser viável”, embora uma contradição se exponha no fato da popularização da condição estatal.
Parece claro, nesse contexto, que a função do estado abandonada foi a continuidade do
“equilíbrio dinâmico”. O estado está restrito ao exercício do policiamento de seu território,
quando muito, pois não há mais disponibilidade de recursos que evitem o colapso econômico provocado pelas corporações transacionais. Resta ao controle estatal a política, no entanto, em nenhum aspecto que tange a economia, ou seja, o estado deve controlar somente a garantia de equilíbrio orçamentário. Soma-se a isso a multiplicação de estados soberanos, na maré da globalização e “ênfase do princípio territorial”.