Jow 19/05/2011Reparar nem sempre é consertar.Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?... Bem Que Se Quis – Marisa Monte / Nelson Motta
Na vida, aprendemos que tudo tem um limite. Mas, a cada dia que passa algo ou alguém nos mostra que é possível quebrar esses limites, principalmente os limites da razão e instituir novas possibilidades. E foi isso que Audrey Niffenegger fez mais uma vez! Quebrou todos os limites da razão, da sensibilidade e do sobrenatural ao escrever “Uma Estranha Simetria”
Tenho que confessar que não sou um admirador de uma literaturas que tenham um cunho espírita (Não é um livro psicografado, é um livro que tem uma temática espiritual), mas Niffenegger me conquistou com “A Mulher do Viajante no Tempo” e eu sabia que ela não me decepcionaria. Não quero fazer comparações agora, mas se em seu primeiro livro ela trabalha a busca incessante de um casal tentando se encontrar em meio aos infortúnios de uma vida marcada por viagens no tempo. Agora, ela quer quebrar com o sentimento de cumplicidade e busca de suas personagens. Esse é um livro que pessoas querem distancia daquilo no qual se parecem e que conviveram a vida toda, e essa separação trará encontros surpreendentemente inesperados.
Julia e Valentina são gêmeas idênticas, e isso é cansativamente discutido no livro. Vemos a intimidade dessas irmãs na sua mais completa infantilidade, onde ambas, por fora, são a pura imagem da outra. Mas, intelectualmente cada uma tem a sua peculiaridade e o seu desejo. O Problema é que o laço criado entre ambas é severamente forte, o que torna uma separação praticamente impossível.
Enquanto isso temos a morte de Elspeth(tia de Julia e Valentina e irmã gêmea de Edie, mãe das garotas) temos o cenário para que toda a construção de Niffenegger se desencadeie. É aqui que somos apresentados a Robert (namorado de Elspeth) e ao cemitério Highgate.
O fato de Julia e Valentina irem morar na casa de Elspeth trás a tona toda a sua personalidade, e isso afeta diretamente as gêmeas. Robert também sofre com essa aproximação já que ambas são copias da jovem Elspeth. Assim, todos lutam para não se tornarem reféns de seu psicológico, das lembranças que não são suas e dos amores que são mascarados pelo corpo de outra pessoa.
Niffengger tem grande poder de explicação científico/metafísico, e é usando dessa ferramenta que ela consegue construir a forma espiritual de Elpesth. Uma alma que tem consciência, matéria e sentimento. Aqui a Niffenegger consegue mais uma vez transcender a barreira sobrenatural e transformar o impossível em algo palpável. No momento em que Elsperth toma consciência de sua condição é que as verdadeiras reviravoltas começam. O despertar de sua alma contagia a imaginação de Valentina e desperta em Julia o medo de perder o contato construído com a irmã nos 21 anos de suas vidas. Robert se vê assombrado pelo amor que sente a Elspeth, mas não consegue suportar as visitas de Valentina.
Todos tem algo valioso demais a perder, todos precisam tomar uma decisão que mudará definitivamente as suas vidas, mas o medo e a covardia impedem tais personagens a fazer aquilo que realmente necessitam. É no personagem de Martin que todas essas inseguranças tomam personificação, um homem doente que perde tudo por causa de seu distúrbio, mas que começa a trabalhar a sua recuperação buscando reunir forças naquilo que todos os outros querem esconder: O amor.
E é assim, que entre desejos reprimidos, segredos escondidos e personagens maltrapilhos que Niffenegger constrói a sua trama. Onde a busca por respostas alimenta a discórdia e extermina o perdão, onde o desejo de amar é subjugado pelo medo de perder, pelo medo de infringir e pelo medo de tentar, e onde o amor sinceramente não explica certas atitudes tomadas pelas personagens.
Com um enredo consistente, personagens muito bem construídos, um belo olhar sobre Londres e uma narrativa que exalta a beleza do Cemitério Highgate, Audrey Niffenegger faz um ótimo livro, mas que em minha opinião, fica bem abaixo de seu romance de estréia.