joaoggur 27/03/2024
O gado sempre vai ao poço.
O título da resenha, de caráter quase bíblico, não é à toa; as citações, desde dos sermões do Pai até as descrições das agruras do narrador-personagem, são de um lirismo transubstancial, - as palavras se metamorfoseiam em parábolas, e ao mesclar do fluxo de consciência com uma poética naturalista, que remonta a Guimarães Rosa, Raduan Nassar desenvolve uma trágica história de decadência familiar.
Assim, o ?arcaico? adjetiva a Lavoura, substantivo que, em metáfora, se traduz como família. André, o narrador-personagem, parte desta Lavoura, da casa de sua família, e as páginas iniciais dão-se quando seu irmão, Pedro, encontra com o supracitado na pensão em que este se hospeda. O diálogo, de uma teatralização fundamental a obra, mistura memórias, sensações e cria uma sinestesia de passado, presente e futuro.
Uma vez suportadas as páginas inicias, creio que é um texto difícil de largar. E ?suportar? não é sinônimo de suplício; o estranhamento se dá pelo texto belo, pela prosa extremamente poética, pelo nada coloquial vocabulário. Essa teatralização, como já citei, tem profundo impacto na obra; é como se o maquinal das relações, a plasticidade dos sermões, a falsa relação de camaradagem familiar, e tudo que mostra a falsidade de um seio familiar fosse transposto para o texto.
Vamos cada vez mais adentrando as minúcias da história, nos envolvendo, - de forma positiva ou negativa, - com os personagens, e chega-se a um ponto em que sentimos um aperto no peito em meio a tantos episódios trágicos. E, talvez, daí vem o belo: ao demandar do leitor uma cirúrgica atenção perante o texto, um olhar apurado das entrelinhas, vamos descobrindo, aos poucos, um áureo equilíbrio entre o belo e o terrível. Terrível pelo conteúdo, belo por como o disserta.
Um romance extremamente exigente, que suga quem o lê. Desejas um conselho? Queria ser sugado. Tenha este prazer, - mas saiba o que estará a diante.