Ana Aymoré 22/02/2019Um mundo de belezas váriasGuimarães Rosa merece, sempre, estar no topo de qualquer lista. Mereceria estar no topo desta, sem dúvida. Mas tenho bons motivos para inverter um pouquinho a ordem da retrospectiva (que, de todo modo, não pretende ser uma ordem exata, mas uma rememoração de todos os livros que marcaram meu ano de lindezas várias), e escrever hoje [no dia de Natal] sobre ele.
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Em primeiro lugar, porque é um livro que, através de contos curtos, escritos naquele diapasão poético inimitável de Rosa, fala principalmente de amor e de esperança. Dos momentos em que, mesmo quando "Tudo se amaciava na tristeza", quando o mundo "trevava", um ponto de luz acaba por surgir para guiar, como estrela de Belém, ainda que minúsculo e aparentemente insignificante: "[...] vindo mesmo da mata, o primeiro vagalume. Sim [...], era lindo! - tão pequenino no ar, um instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a Alegria." Alegria que precisamos e merecemos viver, num dia como esse, com quem amamos, com quem nos respeita pelo que somos, e apesar de tanto ódio ao redor.
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Segundo porque, de forma ainda mais explícita do que em seus escritos anteriores (sim! ao contrário do que se possa imaginar, Primeiras estórias é uma obra da maturidade de Rosa, de 1962), suas personagens trazem, quase todas, as auras de profeta, santo/a, mártir e de benfazeja demência que marcam a passagem histórica de Cristo no mundo. São crianças, velhos, loucos, bruxas, extraterrestres, solitários - seres à margem da ordem social, ligados através dos fios das narrativas pela bondade, pela compaixão, pela infinita sabedoria.
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Finalmente, porque a beleza do mundo de Rosa encontra-se aqui, frequentemente, com o que, para mim, comporta a maior beleza desse nosso mundo. Como já observara Graciliano, Rosa era um apaixonado animalista, e os bichos, em Primeiras estórias, são frequentemente esses pontos de convergência, de (re)encontro e de catarse. Eles parecem estar, sempre, num grau mais elevado que o nosso, figurando, como os bichos do presépio, mais próximos da essência divina.
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Feliz Natal!