Juliana Talala 14/05/2012
O espetáculo da vida cotidiana
“As máscaras são expressões controladas e ecos admiráveis do sentimento, ao mesmo tempo fiéis, discretas e supremas”. (George Santayana)
Teatro, foi um nome que a vida não recebeu, com a devida acepção da palavra, mas bem que poderia ter recebido, já que é nela que o homem provido de fantasias, marcação de cenário, roteiro e de máscaras, apresenta cotidianamente o seu espetáculo. A preposição foi abordada implicitamente por Erving Goffman no livro “ A representação do eu na vida cotidiana”, lançado na Inglaterra, em 1959 e traduzido para português em 1985, pela editora Vozes. No livro, o autor utiliza da metáfora da ação teatral para expor a estrutura que o homem desenvolve diante de qualquer situação social, ao tentar dirigir e dominar as impressões que possam ter dele, empregando técnicas de sustentação.
Deste modo, ao desempenhar um papel social, o homem convoca seus observadores para que respondam a impressão sustentada perante eles. Solicita que acreditem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as conseqüências implicadamente pretendidas por ele, assim como age o ator profissional. A única diferença é que o ator ao terminar sua apresentação pode abandonar as máscaras físicas e psicológicas desenvolvidas para seu personagem, já o homem, não pode ausentar-se do uso delas, ou do contrário, terá as falhas de sua personalidade e reais interesses, perante suas ações, revelados.
“Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”, em sua acepção primeira, queira dizer máscara. Mas, antes, o reconhecimento do fato de que todo homem está em todo lugar, mais ou menos conscientemente, representando um papel... É nesses papéis que nos conhecemos uns aos outros; é nesses papéis que nos conhecemos a nós mesmos“. Robert Ezra Park, Race and culture (Glencoe III, The Free Press, 1950), p. 249.
No outro extremo podemos verificar que o significado de máscara não deve ser compreendido apenas como um mecanismo para esconder imperfeições, mas também, como uma representação do ser humano, ou, do papel que empenha-se desenvolver, para assim, alcançar o que deseja viver, deseja ser. Um exemplo desta dualidade compreende-se ao recruta novato, que inicialmente respeita as normas do exército afim de evitar punições físicas e, por fim segue o regulamento para que a organização não seja constrangida, e seus companheiros o respeitem. O único contraponto é que as máscaras não podem servir como artifícios para que o individuo componha um outro plano de vida, a chamada segunda vida, na qual encene continuamente a forma como deseja ser interpretado. Desta forma, se tornaria refém de uma fachada de impressões.
Goffman, denomina a fachada como o desempenho que o indivíduo exerce para impressionar os que observam a representação de seus papéis. Contudo, deve também ser caracterizada como um conjunto de artífices que possibilita o ator ser quem deseja ser, usando de distintivos de função e de categoria como; vestuário, sexo, idade e características raciais, altura; aparência; atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas semelhantes, para sustentar mentiras, ou, verdades infundadas sobre seu status social.
Apesar das práticas profissionais diferirem-se pela singularidade e especialidade, suas fachadas sociais, reivindicarão a igualdade de fatos e artífices. Um exemplo deste contexto se compreende as técnicas utilizadas pelas empresas, que Goffman aborda no livro para ilustrar o contexto.
“Muitos serviços oferecem a seus clientes uma representação que é abrilhantada por impressionantes manifestações de anseio, modernidade, competência e integridade. Conquanto, de fato, estes padrões abstratos tenham um significado diferente em diferentes desempenhos de serviços, o observador é encorajado a realçar as semelhanças abstratas. Para o observador isto é uma maravilhosa conveniência embora, às vezes, desastrosa. Em vez de ter de manter um padrão diferente de expectativa e de trato dado em resposta a cada ator e representação ligeiramente diferentes, pode colocar a situação numa ampla categoria em torno da qual lhe é fácil mobilizar sua experiência anterior e seu pensamento estereótipo”. Páginas 32 e 33.
Normalmente, esta representação abrilhantada é um produto desenvolvido por profissionais de agências de publicidade, propaganda e marketing ou consultores administrativos, para gerir as ações de vendas e relacionamento que as empresas solicitam, com o objetivo, na maioria das vezes, de elevar o índice das vendas, investimentos, conseqüentemente de crescimento. Estas ações, de aplicação contínua e planejada, envolvem singularmente o oferecimento de brindes, frete gratuito, liquidações de estoques e descontos acima de 20% em data pouco próspera para o mercado. A percepção de o sucesso do negócio não consiste apenas na qualidade de seu produto, mas também na capacidade de provocar a vontade de comprar por meio de técnicas criativas. Atualmente, estas velhas técnicas, foram somadas a ciência devotada a desvendar as raízes da decisão da compra. O psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke e autor do livro Previsivelmente Irracional, resumiu a VEJA a sua opinião sobre a arte de vender aliada a arte de representar papéis e ostentar fachadas.
“ Comprar é uma decisão pouco racional. Nos negócios, sai-se melhor quem consegue provocar emoções positivas”. Revista Veja, A anatomia do consumo, edição XX, 2008.
A ostentação de uma fachada exige um cenário, que por referência é constituído por móveis, objetos de decoração, profissionais, no caso de ser parte do ambiente de trabalho, simples, como uma praça, uma casa ou luxuoso, como um museu de arte, um castelo, ou móvel, como uma parada e um desfile e um cortejo real. No caso de haver um lugar fixo para o cenário do individuo, o ator pode ser demasiado sagrado, o ambulante, demasiado profano, dependerá da situação. Mas, se provido de elementos criativos e envolventes, o cenário pode se tornar um fator de conquista no ato da encenação. Desta forma, o cenário pode transformar a ida à loja em uma experiência prazerosa para o consumidor, também, observador, como em décadas passadas declarava Walt Disney (1901 - 1966):
“As pessoas gastam dinheiro quando e onde se sentem bem”. Revista Veja, A anatomia do consumo, edição XX, 2008.
A sociedade do consumo, cujas estruturas reconstituem à ascensão da burguesia e à Revolução Industrial, no século XVIII, transformaram o hábito de ir às comprar em uma jornada de lazer. Atualmente, este mesmo comportamento contribuiu para o surgimento das lojas de departamentos, para o desenvolvimento da Internet como portal de vendas e sobre tudo, para o crescimento dos anseios humanos, que se mostram eternamente insaciáveis. O clima de urgência expressados pelos verbos imperativos: pense, fale, compre, beba, use, seja, ouça, diga, leia,vote, gaste e viva, expõem de forma prática os apelos que os atores apresentam para criar o ideal imaginário de status, de vida, ideal de bem-star e de desenvolvimento, na mente dos consumidores, ou melhor, de sua platéia, visto que usa da fachada para gerir suas vendas.
Contudo, Goffman salienta que deve haver a coerência na construção do ambiente, aparência e maneira. Porque tal coerência representa faz parte de um processo ideal, que fornece o meio de estimular a atenção e o interesse.