Josi 04/01/2021
O mundo sob o olhar inocente e aventureiro das crianças
Tom Sawyer é um órfão, criado junto com o meio-irmão por sua tia Polly. Desde o início da obra, somos apresentados a esse garoto levado, sempre fazendo diabruras que enlouquecem a velha senhora, que vive dividida entre a ternura e a constante irritação com as travessuras do sobrinho, e vivendo um dilema sobre a melhor forma de educá-lo e puni-lo. Tom é um garoto muito perspicaz e criativo, sempre consegue encontrar formas engenhosas de reverter e tirar vantagem em situações adversas. Também é manipulador, dissimulado e sempre recorre a mentiras para se safar.
No decorrer do livro, percebemos o quanto ele é uma criança mimada, mas de bom coração. Essas características ficam mais evidentes conforme vemos sua relação com o amigo Huckleberry Finn, o filho do bêbado da cidade, que vive nas ruas, dorme em barris vazios e com quem as crianças bem-educadas da cidade são proibidas de manter relações - e por isso mesmo o fazem. Enquanto as travessuras que Tom e os outros meninos aprontam geram preocupação da família e da comunidade, Huck é desprezado por todos e está tão habituado à liberdade da vida desregrada que vive, que se sente atordoado, deslocado e aprisionado quando se vê sendo acolhido em um lar. Para mim, apesar de ser coadjuvante, ele é o personagem mais interessante da história e, não à toa, ganhou um livro próprio, As Aventuras de Huckleberry Finn, que é considerado a obra-prima do autor e um dos melhores romances norte-americanos de todos os tempos (já está na minha lista!).
A narrativa apresenta típicas criancices divertidas, mesclando momentos de comédia com outros de aventura, suspense e mistério, além de mostrar um panorama dos costumes e crenças da sociedade da época, especialmente no sul dos Estados Unidos. E é justamente o contexto histórico que deve ser levado em conta em alguns pontos problemáticos do enredo, especialmente se for lido por crianças nos dias de hoje, já que a proposta original do autor é que fosse um livro voltado tanto para adultos quanto para crianças.
Vemos algumas referências à pena de morte e ao fumo, por exemplo, mas o mais incômodo é a forma interiorizada e estereotipada com que são descritos os escravos nas poucas passagens em que são mencionados, por isso faz-se importante entender que, apesar de ter sido publicada em 1876, a obra é ambientada pelo menos 30 anos antes, quando ainda não havia ocorrido a guerra civil e a libertação dos escravos no país.
Esses assuntos sensíveis, para mim, tornam inadequado o livro para crianças muito novas, a não ser em versões adaptadas e ilustradas ou com a supervisão dos pais, que possam explicar que a obra reflete uma sociedade do passado, a qual precisamos conhecer para entender nosso mundo atual.
No mais, é uma leitura muito divertida, que descreve bem os sentimentos e o espírito curioso e aventureiro das crianças, as descobertas da infância e amadurecimento que vem com elas.