Aguinaldo 10/04/2011
mañana en la batalla piensa en mí
Segundo o próprio Javier Marías as boas críticas e o estrondoso sucesso comercial de "Corazón tan blanco" o fez imediatamente envolver-se em um novo projeto literário. Ele não queria ficar conhecido como o autor do livro tal e que sua obra ficasse eclipsada por uma recepeção tão boa de um único livro. O resultado desta decisão é um livro ainda melhor, que li como o autor deseja, ato contínuo à leitura do anterior. "Mañana en la batalla piensa en mí" tem um início cativante. Na estival Madrid dos anos 1990 um sujeito se vê na casa de uma mulher que ele conhece pouco, apenas o suficiente para se fazer seduzir. O marido desta mulher está viajando, na Inglaterra, e o filho pequeno deles é colocado para dormir. Após o jantar e o vinho e quando já estão nas preliminares do sexo eis que a mulher tem um mal súbito e morre. O sujeito não sabe bem o que fazer, sabe vagamente o nome do marido da mulher e tampouco sabe onde ele está hospedado em Londres. Acaba descobrindo estas duas informações, mas não consegue prontamente transmitir para o marido a importante informação que tem, nem tampouco consegue ligar para a polícia. Sai furtivamente do apartamento. A partir daí Javier Marías apresenta como um sujeito fica obcecado em saber o "final da história", ou seja, como todos os demais com quem a mulher se relacionava receberam a notícia de sua morte e de como reagiram a ela. Ele vive de escrever textos para terceiros. É uma espécie de "ghost writer" para políticos iletrados, dramaturgos preguiçosos, ensaístas sem imaginação. Consegue se aproximar profissionalmente do pai da mulher morta, ao preparar um discurso para uma ocasião importante no parlamento europeu. A partir dele acaba se envolvendo com a irmã da morta. De fato ele flerta com ela antes dela lembrar-se dele. Afinal ambos relembram ter se cruzado quando ele saía do apartamento naquela madrugada em que a mulher morreu. Através dela acaba contando sua história para o viúvo, o sujeito que havia viajado à Londres naquela noite. Os grandes temas de Marías estão todos neste livro: a preocupação com os usos da língua (para esclarecer e para ocultar); os desvios por temas que parecem triviais, congelando a trama; as citações de filmes americanos, mas sempre de filmes obscuros e não comerciais; a presença seminal de Shakespeare permeando o texto; a questão da traição e da lealdade (a si mesmo e aos outros). O que impressiona no texto de Marías é sua capacidade de antecipar possibilidades e nos surpreender sempre. Se a história que o narrador conta já é impactante, a história do marido da morta é ainda mais surreal (mas ainda assim verossímil). Na verdade é o marido que quer se purgar contando a sua história, mais de saber como afinal o sujeito se envolveu com sua mulher e como a viu morrer. Uma citação ao início da peça Henry V de Shakespeare parece ser o ponto de onde todo o romance surge. Trata-se daquela terrível passagem em que o Henry V ignora seu antigo companheiro de badernas Falstaff (na época em que era somente o príncipe Hal) dizendo: "I know thee not, old man. Fall to thy prayers. How ill white hairs become a fool and jester!" Agora é oficial. Vou ler todos os Javier Marías que encontrar. Este sujeito sabe como ninguém contar uma boa história. [início 13/04/2009 - fim 27/04/2009]
"Mañana en la batalla piensa en mí", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2007, brochura 13x19, 368 págs. ISBN: 978-987-566-255-1