Codinome 21/07/2024
Um pouco sobre "Assassinato no campo de golfe"
Livro de 1923, é o terceiro livro da Agatha Christie, conhecida como rainha do crime. De 1920 até 1923, portanto, ela escreve 3 livros, quase que um por ano. Já tive a oportunidade de ler os 3. Em "Assassinato no campo de golfe”, temos o segundo romance com o detetive Hercule Poirot e seu amigo, e narrador Hastings, mantendo a clássica estrutura narrativa utilizada por Poe e Conan Doyle: um amigo do detetive narrando as ações metodológicas do detetive a fim de solucionar o mistério.
O mistério já é bem nítido no título: Poirot recebe uma carta pedindo o seu auxílio, o remetente é monsieur Renauld; a dupla Poirot e Hastings ao chegarem em Villa Geneviève, França, descobre que Renauld foi encontrado morto no campo de golfe. A partir disso, começam as investigações junto ao corpo policial e outros personagens; inclusive um detetive francês chamado Giraud que vai disputar espaço com Poirot na solução do crime.
Tal como o primeiro livro de Christie, temos aquele estilo bem frio e descompassado em que ora os acontecimentos passam num tempo narrativo maior ora num tempo narrativo menor: Christie tem a preocupação em apresentar todos os fatos e pormenores relacionados ao crime e àquilo que o circunscreve, da mesma maneira que esses mesmos fatos são apresentados a Poirot e a Hastings. Ou seja, o leitor é onisciente tal como a dupla, em alguns momentos o conhecimento de Poirot e Hastings são diferentes, mas conforme Poirot elucida, esses conhecimentos se convergem.
Poirot, como o detetive perspicaz e metódico que é, chega as soluções antes do leitor e antes de Hastings, mesmo com os fatos sempre sendo expostos a todos nós. O ideal, creio eu, é que o leitor, com todas as suas “células cinzentas”, conseguisse solucionar o mistério tal como Poirot consegue, pois a ideia é que a solução seja inequívoca. Como diz o próprio detetive a Hastings (e a nós leitores também): “Mon ami, tem de fazer as suas próprias deduções. Tem acesso aos fatos! Concentre o trabalho das suas células cinzentas.” Esse é sempre o trunfo da escritora: são soluções inequívocas. Principal ponto positivo de Christie: o jogo, o raciocínio e a lógica que são criados para solucionar o mistério são sempre bem amarrados.
O ponto negativo também aparece aí: quando leio um livro, busco literatura. Christie, por focar muito nesse lado lógico, perde um pouco em qualidade literária. Exemplo: transições de uma cena para outra com alta velocidade, ela poderia trabalhar melhor essa transição espaço-temporal; personagens com pouca profundidade, só Poirot parece ter brilho na história, pensando em raciocínio, carisma, construção de personagem mesmo (claro que aparecem alguns personagens que criam mais profundidade como o próprio detetive francês, a amiga inicial de Hastings, o próprio Hastings; mas creio que dava para ir além, até para conectar o leitor com a história). Enfim, eu gosto da história policial que consegue unir pontos altos de construção narrativa, subjetividade/realidade dos personagens com o mistério do crime e, claro, todo o raciocínio que o detetive deve ter para solucionar (nesse último ponto, a autora está de parabéns). Por isso, que até o momento, eu prefira mais o Sherlock de Conan Doyle do que o Poirot de Christie: Doyle consegue trazer algo mais verossímil ao meu ver. Esse detalhe também me fez gostar mais de “O inimigo secreto”, segundo livro da autora, que tem outros detetives no centro: Tommy e Tuppence; por eles não serem tão profissionais quanto Poirot, a autora cria uma história mais leve, recheada de ação, e deixa os personagens, ao meu ver, mais carismáticos, que o leitor se conecta mais.
Em relação a Poirot, gosto, principalmente das partes em que ele expõe a sua filosofia e ideias para solucionar o mistério, essas informações sempre acho bastante valiosas, até para aplicar e pensar nelas em outros romances ou contos policiais. Por exemplo, nesse trecho, ao tratar do criminoso: “O grande criminoso é simples, mas muitos poucos criminosos são grandes. Ao tentarem apagar as pistas denunciam-se invariavelmente. Ah, mon ami, como gostaria de encontrar um dia um grande criminoso, verdadeiramente grande, um criminoso que cometesse o seu crime e depois não fizesse nada! Eu próprio, Hercule Poirot, seria talvez incapaz de apanhar um criminoso assim.” Mais dicas do detetive: “Quando investigamos um crime devemos assentar bem os pés na terra, basear-nos no que é comum, banal.” Esse trecho é retirado do capítulo XX, “Uma surpreendente declaração”, em que Hastings se empolga na explicação do crime, indo para um reino da fantasia: essa oposição de soluções para o problema é algo interessante de ser ver.
Aliás, acho que a escritora poderia trabalhar mais a relação de Poirot com outro detetive, Giraud, até mesmo dando mais voz para esse segundo detetive, considerado como um “cão de caça” por Poirot; que, de fato, é um cara bem metido, mas que, mesmo assim, poderia trazer pontos positivos. Penso assim, para a obra não ficar muito artificial com um Poirot que só acerta: a literatura é humana, e errar é humano. Saber criar bons debates entre metodologias diferentes também deveria ser a habilidade do grande escritor.
Enfim, sabemos que o objetivo de Agatha Christie, com Poirot, é criar um semideus das deduções, não é toa que seu primeiro nome (Hercule – Hércules) faça referência a um herói popular e clássico da mitologia grega. O leitor, ao começar a ler livros com esse detetive, deverá ter sempre isso em mente.