Pablo Paz 06/11/2023
Minha taça de paz enchi de fel.
Na minha época de ensino médio, ou seja, há muito, muito tempo, fazia um curso de teatro no Sesi. Tínhamos que escolher uma peça de Shakespeare para representar - como uma espécie de TCC. As peças que lemos foram: Otelo, Macbeth, Romeu e Julieta, Mercador de Veneza e Sonhos de uma Noite de Verão. Lembro-me que Macbeth não chamou a atenção do grupo, ficamos entre Romeu & Julieta e Mercador de Veneza e acabamos escolhendo... Sonhos de uma noite de verão.
Mas nos últimos dias - por causa do filme 'A Tragédia de Macbeth' (2021) de Joel Cohen, com Denzel Washington e Frances McDormand - reli essa peça e, santo deus!, sabe aquela sensação que temos de: como não vi a beleza disso antes? Pois é, que peça linda, cheia de nuances, simbolismos e significados sobre como o (desejo de) poder pode ser nefasto nos corações e mãos de pessoas erradas. O casal Lady e Lord Macbeth talvez sejam os melhores vilões já inventados na história da literatura ocidental. Lady Macbeth, minha preferida, deixa explícito que queria ter nascido homem só para ter o poder e ferrar com todo mundo (ahahah). É claro que há na construção da personagem muito estereótipo da bruxa medieval: ela não tem filhos, acredita em magia, fala com bruxas e espíritos, manipula e é muitíssimo inteligente... A mentalidade de homens e mulheres da Idade Média temia mulheres inteligentes e sem filhos porquanto achavam que o Diabo nos corrompia e nos contatava a partir desse tipo (psicológico) de mulher, 'infeliz' por não ter se realizado na maternidade (algo que vem lá do Velho Testamento, com Sarah, esposa de Abraão), mentalidade essa que começa a mudar com o Renascimento. Olha que trechos lindos:
Lady Macbeth:
"Vinde, espíritos
Das ideias mortais; tirai-me o sexo:
Inundai-me, dos pés até a coroa,
De vil crueldade. Dai-me o sangue grosso
Que impede e corta o acesso do remorso;
Não me visitem culpas naturais
Para abalar meu sórdido propósito.
Ou me fazer pensar nas consequências;
Tornai, neste meu seio de mulher,
Meu leite em fel, espíritos mortíferos!
Vossa substância cega, onde andar,
Espreita e serve o mal. Vem, deusa Noite!
Apaga-te na bruma dos infernos,
Pra não ver minha faca o próprio golpe,
E nem o céu poder varar o escuro
Para gritar-me 'Para! Para!'
Lord Macbeth:
Dia tão lindo e feio eu nunca vi
(...)
Estou pronto, e cada nervo
Será um tenso agente deste horror.
Vamos; mostrando ar sereno e são,
O rosto esconde o falso coração.
(...)
Minha taça de paz enchi de fel.
"Covenants without swords were but words". Pactos sem espadas, são só palavras, disse Hobbes, no livro Leviatã. Mas para Shakeaspeare, não. Para Shakespeare: "words are like sword"... Palavras são como Espada. Era este o seu superpoder. Suas palavras atravessam gerações, atingindo, a nós que temos a sorte de ir ao seu encontro, atingindo-nos, enfim, como espadas, armas e bombas de lirismo, metáforas, provérbios, poesia e de tudo saber da natureza humana...
P.S.
01-) Li essa edição bilíngue, mais a da Bárbara Heoliodora no vol. 1 do 'Teatro Completo', mas leia qualquer tradução; o original é tão bom que quaisquer delas não irá decepcionar.
02-) Se puder, assista ao filme; está à altura do livro. [Link do trailer: https://youtu.be/HM3hsVrBMA4?si=62ZpCWqeGA6tU-A1]