Rafael 06/03/2022
Folclore e oralidade
Em fevereiro, a Semana de Arte Moderna, marco oficial do Modernismo no Brasil, completou 100 anos. Um dos principais expoentes desse movimento literário foi Mário de Andrade, que viria a nos agraciar, em 1928, com o clássico "Macunaíma".
No livro, à margem do Uraricoera, um dos principais rios de Roraima, vemos nascer "Macunaíma, herói da nossa gente" (p. 18). Ao lado de seus irmãos Jiguê e Maanape, também filhos de uma índia tapanhumas, Macunaíma vive diversas aventuras em contato com outras figuras folclóricas da região amazônica (Curupira; Ci, Mãe do Mato; o gigante canibal Piaimã etc.), em grande parte motivado pela recuperação da sua muiraquitã, amuleto que recebera de sua companheira.
Nesse percurso lúdico, desenvolvido sem qualquer respeito às noções geográficas, aprendemos mais sobre nosso herói, visto como alguém preguiçoso, "muito safado e sem caráter? (p. 223). Mas embora seja uma pessoa que se lembra de "passar a doença nos outros pra não morrer sozinho" (p. 276), é o imperador que identifica os males do Brasil, quem inventa o futebol e se transforma na constelação da Ursa Maior por amor.
Nas páginas finais, com o desfecho da jornada de Macunaíma, vemos a importância da história oral como meio milenar de transmissão de saberes entre povos.
Foi uma divertida leitura! Porém, é perceptível na obra, e ainda mais na sua adaptação ao cinema, em 1969, a presença do odioso ideal do embranquecimento como parâmetro de limpeza e do belo, materializado na alegria que sente Macunaíma, que nascera feio e "preto retinto" (p. 18), ao se tornar branco, após banho em uma água encantada. Na ocasião, seus irmãos lamentam não terem a mesma ?sorte?.
Outra crítica reside no capítulo denominado "Macumba", em que se atribui a Exu, entidade iorubá, o rótulo violento e amedrontador de "Diabo", traço típico da perspectiva cristã colonial.
Curiosidade: aponta o pesquisador Frederico Coelho que Mário reconheceu que só 2 capítulos de "Macunaíma" eram de sua própria lavra; os 15 outros eram de "lendas aproveitadas com deformação ou sem ela". Conta-se que o livro "Vom Roroima zum Orinoco" (1917), do alemão Theodor Koch-Grünberg, foi sua principal fonte.