Ricardo Silas 24/01/2015
Igualdade e Liberdade
A tese defendida por Noberto Bobbio permeia um debate sem expectativas de esgotamento. Há muito o que se discutir e verificar nos espectros políticos de esquerda e direita, que são termos metafóricos surgidos na Revolução Francesa, ma que começaram a ser úteis a partir do século XIX, sendo logo preenchidos por um conjunto de propósitos a serem empreendidos nos diferentes setores sociais antagônicos.
Para aprofundar sua análise nos problemas contemporâneos envolvidos nesses espaços, Bobbio começa dissecando críticas negacionistas de filósofos como Sartre, por exemplo, que estigmatizam a divisão socio-política como algo inteiramente vazio e descabido de sentido. Isso ocorre por causa dos efeitos pós-Segunda Guerra Mundial, onde a mentalidade da Guerra Fria havia incitado um pensamento pós-moderno de longo alcance de crises ideológicas.
No entanto, o autor objeta essa simplificação de modo marcante, ao dizer que não vê como a atuação dos programas designados pela esquerda e direita, as soluções envolvendo ação política de contraposição social, de conflito de interesses, valorações e direções a serem seguidas pela coletividade possam, simplesmente, desaparecer. Ou seja, esquerda e direita representam muito mais do que meras ideias; elas significam mobilização prática que abrange problemas de governabilidade real, isto é, que existem objetivamente e são alvo de divisões e controles.
Trata-se de uma dialética ainda em desenvolvimento. Em seguida, há uma abordagem séria a respeito das aspirações pela igualdade (igualitarismo) como fundamento da esquerda, e a conservação da hierarquia (inigualitarismo, liberdade) como fundamento e meta da direita. Ocorre que, em cada contexto histórico e político, cada espaço utilizará os meios a que dispuserem para consolidar e fortalecer sua base.
Não é a toa que o capitalismo continua a ser exacerbado pelas corporações, graças aos grandes saltos tecnológicos, ao passo que, o século XX, por sua vez, desencadeou no marxismo-leninismo os meios de obtenção de poder e revolução que culminou em regimes sangrentos e totalitários. Aliás, a também sofre de extremismos em virtude de seu contraste com o fascismo e o nazismo. Mas as controvérsias não param por aí...
Quando nos comprometemos a buscar raciocínios e problematizações elaboradas por essa díade política (esquerda e direita), a cautela é pressuposto indispensável para nos proteger de críticas distorcidas feitas tanto à esquerda quanto à direita. Por isso as análises dos observadores neutros, como historiadores, cientistas políticos e sociólogos se aproximam de maneira honesta das duas concepções, sem que se distribuam golpes axiológicos de teor negativo a um em vantagem do outro.
Embora esse conselho seja perfeitamente válido, Bobbio não esconde, tampouco permite, que sua situação política de esquerda deturpe o escrutínio lúcido e racional aplicado à direita. Imagino que tenha sido muito delicado proceder desta forma. Mas ele foi bem-sucedido pela imparcialidade teórica, portanto merece os devidos enaltecimentos. O livro também explora as definições descritivas contrapondo-as aos significados axiológicos intrínsecos às dicotomias políticas.
Conceitos de igualdade e liberdade, extremismo, moderantismo e autoritarismo são frequentemente abordados em seus capítulos específicos. De fato, esse grande trabalho realizado por Noberto Bobbio merece a atenção e o estudo daqueles que desejam ponderar sobre grandes problemas que se alastram no universo social. Não importa se o leitor, ao término da leitura, tenha resolvido permanecer no centro da discussão.
Precisamos abdicar todo preconceito de rótulos indevidos, todos os reducionismos disseminados pelos meios de comunicação e seus interesses, para que, só assim, possamos nos aprofundar nas soluções possíveis dos problemas que acentuam os conflitos políticos e socio-econômicos.
Superar essa infantilidade predominante vai além de escolher uma ideologia, seja de direita ou de esquerda; mudar de hábito para conhecer as raízes e frutos desse debate é uma questão de sobrevivência e, sobretudo, bom senso. Ler Noberto Bobbio facilitou minha emancipação de forma definitiva.