Lorena.Mireia 18/01/2024
O Cavaleiro da Triste Figura
Dom Quixote é uma das obras mais aclamadas da literatura ocidental. Talvez o peso do título afugente muitos leitores que possam considerá-lo um livro de difícil compreensão e alto teor filosófico. A bem da verdade, é que o referido livro foi o best-seller na época de sua publicação, em meados do século XVII. Foi um sucesso estrondoso para o público geral, o qual se deleitou com muitas cenas hilárias da narrativa, porque, sim, Dom Quixote é um dos livros mais engraçados já produzidos na história da literatura.
O enredo consiste em um compulsivo leitor de romances de cavalaria que de tanto ler as histórias e admirar seus heróis, desatina os miolos e decide sair em busca de aventuras. Destarte, improvisa uma armadura duvidosa e segue em frente com seu pangaré Rocinante, seu então vizinho Sancho Pança, o qual se torna o seu fiel escudeiro, e este por sua vez, em companhia do seu burrinho. No seu coração e nos seus sonhos, o cavaleiro andante leva a sem-par Dulcinéia Del Toboso, pois segundo seus livros clichês não poderia existir um cavaleiro sem uma amada.
Dessa forma, Dom Quixote acredita piamente que é o restaurador da Ordem da Cavalaria Andante, e como um valente homem das armas está decidido a reparar injúrias, salvar as donzelas, amparar as viúvas e os órfaos, lutar contra magos e vilões e desfazer todas as injustiças do mundo.
A despeito dos seus disparates no concernente a assuntos de cavalaria andante, Dom Quixote deixa seus leitores e interlocutores embasbacados com tamanha perspicácia e argúcia em muitas pautas, mostrando-se um homem culto com alguns desvarios mentais.
Ao perceberem o ponto fraco do nosso protagonista, muitos personagens vão alimentar suas sandices e devaneios para lhes servir de objeto de pilhéria. Assim, vimos a dupla sendo constantemente alvo de tramoias, sobretudo no segundo volume, no qual são vítimas do duque e da duquesa ? um casal odioso que só vive de pregar peças em Dom Quixote e Sancho Pança.
No primeiro volume, há diversas histórias secundárias que desviam o núcleo principal. Já no segundo, Cervantes consegue ser ainda mais genial ao fazer menção à sua própria obra ? o volume I de Dom Quixote de La Mancha ? e o consequente alvoroço do público. O fato das façanhas do cavaleiro terem se disseminado por todo canto faz com que as loucuras de Dom Quixote e Sancho Pança sejam imediatamente reconhecidas , causando assim, mais divertimento alheio.
Afinal, como não gargalhar com Dom Quixote e suas ingênuas confusões? Ele vê prostitutas como donzelas; estalagens, como castelos; moinhos de vento, como gigantes; ataca odres de vinhos como se fossem os inimigos; maravilha-se com uma bacia de barbeiro como se fosse um elmo de ouro; destrói bonecos de fantoche por enxergar seres de carne e osso. E se você não concordar com seus disparates, ele ainda vai dizer que você não tem boa visão ou que não percebe que é obra de encantamento do mago que o persegue.
Além da notória distorção da realidade em seu mundo de fantasia, esse velhinho querido apronta inesquecíveis proezas e demonstra alta capacidade de se meter em apuros, dentre os quais: o episódio de bofetadas envolvendo Maritornes, o dono da estalagem e mais gente (a coisa mais engraçada que já li na vida, algazarra total ?); o dia que ele ousou desafiar um leão; quando ele libertou criminosos de suas correntes e algemas; a luta com o gato na casa do duque. São inúmeras as façanhas, e é admirável a persistência dele em seguir seu nobre propósito, mesmo que na maioria das vezes ele saia inteiramente estropiado.
Já o escudeiro Sancho Pança não fica atrás quando o assunto é cativar os leitores. Com um grau de insanidade ligeiramente menor do que seu amo, ele deixa a mulher e seus dois filhos e sonha que um dia irá governar uma ilha, sendo recompensado por todas as batalhas que travar ao lado de Dom Quixote. Em algumas ocasiões, Sancho adverte o seu senhor dos perigos iminentes; em outras opõe-se corajosamente aos desejos do amo e de outros personagens, mostrando sua forte personalidade. Nesse sentido, Sancho também o trapaceia, aproveitando-se da falta de lucidez do cavaleiro andante. Outro ponto observado é que o escudeiro não tem papas na língua, e tem uma curiosa mania de disparar uma infinidade de ditados populares em todas as frases que profere, o que exaspera profundamente a Dom Quixote. Além disso, ama se refestelar e encher a pança sempre que tem a oportunidade(fazendo jus ao sobrenome ?). Baixinho, gorducho e dotado de um carisma incomparável, Sancho Pança é um dos personagens mais icônicos da literatura universal.
Diante do exposto, recomendo essa obra a todos que amam clássicos e, sobretudo, aos que apreciam grandes histórias. Ademais, vale ressaltar que tal preciosidade nunca rendeu uma adaptação relevante para o cinema, e isso só corrobora o poder transcendental da literatura, que produz certas obras intransponíveis para qualquer outro tipo de arte dada a sua magnitude e envergadura.
Que Dom Quixote sirva de inspiração a todos nós para lutarmos por nossos ideais e objetivos, ainda que o mundo todo nos enxergue como idiotas. Um dos meus livros preferidos da vida, com certeza!