Di3gao 17/07/2024
Realidade idealizada
Dom Quixote demonstra o que significa ser um clássico universal. Uma obra que, após séculos, conversa com as novas gerações, conquista leitores por todo o mundo e ainda se mantém atual.
Desde a publicação da primeira parte em 1605, Dom Quixote passou por várias traduções e edições, essa que eu li é uma versão reduzida da história. Embora tenha que perder parte do conteúdo original, essa edição se mostra excelente por conseguir manter a grandiosidade de Dom Quixote mesmo em uma escala menor, reunir o essencial, construir uma narrativa coesa, ter uma escrita envolvente e fácil, transportar o leitor para dentro das páginas e ser uma porta de entrada para novos leitores, me deixou muito interessado pela obra completa.
A trama acompanha um fidalgo burguês que, cansado do tédio de uma vida pacata, resolve se inspirar nos livros de cavaleiria que leu e buscar sua própria jornada como um cavaleiro andante. Seguindo essa ideia, a narrativa se desenrolou em várias aventuras de Dom Quixote, cada uma mais louca que a outra, nas quais ele sempre acaba se dando mal por não conseguir ver além da sua imaginação, ironizando as narrativas idelizadas e fantasiosas sobre cavaleiros na época. Além disso, ela possui várias camadas e diferentes interpretações, o que colabora para o livro continuar sendo o segundo mais lido no mundo.
O livro aborda muito bem como a alienação pode consumir qualquer pessoa pelo desejo de defender seus ideias, visto por uns como bravura e por outros como loucura. Dom Quixote se prendeu em imagens idealizadas que o afastaram totalmente da realidade e causaram sérios danos, tanto que ele perdeu o propósito de vida ao reconquistar a lucidez. Na leitura me chamou muita atenção como a mente de Dom Quixote procura desculpas fantasiosas quando algo quebra sua fantasia, por exemplo culpar um mago por ele não conseguir antigir os gigantes sendo que eles sempre não se passavam de moinhos de vento. Além disso, a própria jornada do fidalgo é sem causa por se tratar de algo idealizado, bem como as provas de seu amor por Dulcineia são falsas pois ela também se tornou apenas uma figura fictícia idealizada pela mente dele.
A figura de Dom Quixote foi construída com base na ideia de restaurar os valores presentes nos livros de cavalaria e também demonstrou, ao meu ver, o conflito entre querer conservar valores antigos enquanto a sociedade se modifica constantemente. Algumas partes do livro passaram essa ideia, como, já no primeiro capítulo, quando Dom Quixote pega uma armadura muito esquecida e coberta de ferrugem, representando o que seriam os valores antigos; e percebe-se o conflito entre os valores na forma como a sociedade reage à volta deles, trata como piada pois eles já não tem mais espaço dentro dela.
A narrativa trabalhou com excelência a linha tênue que ela tece entre a realidade e a ilusão. Enquanto Dom Quixote se prende em sua própria realidade e enxerga apenas o que convém para seu mundo fantasioso, a narração pelo ponto de vista de seu fiel escudeiro, Sancho Pança, serve como uma elemento que traz para o leitor o mundo real e a racionalidade, embora em alguns momentos ele entre nas alucinações junto de seu amo. A clássica cena dos moinhos de vento demonstra muito bem a diferença entre essas duas visões.
Portanto, Dom Quixote é uma obra clássica que aborda temas como a liberdade, a importância de se sonhar e a força para seguir seus objetivos, bem como demonstra que a idealização desses valores pode levar a alienação. Recomendo muito!!