Yuri Trambaioli 02/07/2024
Caminante, no hay camino se hace camino al caminar.
A Expansão Infinita toma parte na Imersão Necessária
Por que ler Dom Quixote? Digladie-se perante o tédio, visto que aquele que começa com vista do fim há de se arrepender. Não por méritos e deméritos, mas pelas simples inconsciência daquilo que é essa obra: um postulado simples sobre a vida, e não uma história cinematográfica.
Ler Dom Quixote não é sobre o que acontece, ou sobre o que fica no final, mesmo que a todo instante tudo aconteça e muitas coisas permaneçam, ao passo que nada sobram. Ler essa obra é se apaixonar pela possibilidade de chegar a lugar nenhum, parar o livro pela metade; é estar imerso na possibilidade de Miguel de Cervantes ter tido um ataque cardíaco enquanto escrevia a página 764, e disso tendo ciência, ter decidido começar mesmo sabendo do citado possível inexistente fim.
Não há lugar algum a se chegar aqui, Dom Quixote não te leva a nenhum reino ou ilha de autoridades: Dom Quixote apenas vaga, como cavaleiro andante que é, e você, se quiser, o acompanha; na verdade, apenas Sancho o acompanha, você apenas o assiste, bem de longe.
Do que me serve, afinal? Dom Quixote é a inexorável prova de que a imersão numa realidade imaginada se dá por diversos fatores, onde o crédito dado a uma história (seja ou não seja história) acontece por acreditar, desacreditar, se entediar, imaginar, pensar, rir, ouvir, aprender, zombar, elucidar.
Dom Quixote não seria Dom Quixote se não houvesse ousado ser Dom Quixote; se não se permitisse o delírio de escrever 1328 páginas sobre um idoso que vaga, parla e lucha, independente do que você acredite, ou do que acreditem, acreditaram, acreditarão. A realidade independe da sua aprovação, e enquanto você reflete e pondera se o que vê é ou não é real, ele continua a construí-la, a manifestá-la, porque isso é, afinal, a realidade. Um compilado de histórias acerca daquele que ousou acreditar, criar, deixar-se levar.
Um leitor comum ouve a recomendação de Dom Quixote, pesquisa sobre o livro, vê que tem 1300 páginas, pensa: pu14 qu3 p4r1u! Esse já está fadado ao fracasso eterno; nunca foi sobre isso. Do mesmo modo que aquele que optou por sua versão drasticamente reduzida, aceitou de bom grado a perda da alegria de viver. Ler Dom Quixote por inteiro não é enfrentar um calhamaço, é iluminar-se e perceber que tudo aquilo que você julga ser mais importante, são ilusões, encantamentos.
Encantados estamos, pois sob as batutas de Quijano e Pansa, vivemos belas aventuras de cavalarias, salvando donzelas do perigo, combatendo criminosos forasteiros, alimentando os necessitados, salvando e dando voz à la Mancha. Mesmo que os magos tentem apagar sua história, o Cavaleiro da Triste Figura persiste, leciona, reverbera; faz com que Amadis de Gaula mais uma vez viva, ou que todas as ações do princípio ao fim do mundo se encerrem em Dulcineia del Toboso.
Humorado, quase como um cruzado no fígado, faz com que padres, duques e moinhos previamente remoam e posteriormente anunciem tudo aquilo que foi visto na vistosa Caverna de Montesinos, deixando-nos, todos, como meros curiosos impertinentes.
Para que no fim, aquele, somente, Pansa, o burro, o gordo, o notável, que por reinado se vangloriaria, encontre no fiel retorno a maior das aventuras. Rocinante e Dom, Sancho e Burro, Sancho e Dom: apenas esses bastam.
Dom Quixote é Dom Quixote porque ousou sair de seu quarto e realizar alguma coisa. Se tivesse apenas tudo lido, como tudo leu, seria engolido pela morte e levaria Amadis consigo. Junto com Pansa, Alonso Quijano, o Dom Quixote, fez o que não fazem: tomou uma decisão. Se levantou, se vestiu, saiu, andou, pendurou, histórias criou e contou. E no fim, recebeu o ninguém em vão recebe: o eterno nome.
Nota mil!