Fabio Shiva 18/04/2020
novo mergulho na antiga tragédia
Nesses dias de pandemia senti a necessidade de mergulhar uma vez mais nesse universo tão amado da tragédia grega, talvez como forma de encontrar, nessas antigas narrativas sobre as dores humanas, novas significações para os sofrimentos de hoje. E como sempre não regressei de mãos vazias, mas trazendo raros tesouros de catarse e beleza.
“Édipo Rei” é certamente uma das histórias mais poderosas da humanidade, belíssima tragédia louvada por Aristóteles em sua “Poética” como exemplo sublime do uso do reconhecimento e da reviravolta, duas técnicas narrativas que até hoje capturam leitores e espectadores e que encontram seu ápice inigualável na cena em que Édipo descobre sua verdadeira origem (reconhecimento) e, assim, deixa de ser um feliz soberano para se tornar o mais mísero dos mortais (reviravolta). Para além da arte de Sófocles, essa é uma narrativa arquetípica extremamente visceral, que inspirou Freud a formular seu famoso complexo, que se tornou o pilar da psicanálise e de uma verdadeira revolução no mundo civilizado, 2.400 anos depois que a peça foi encenada pela primeira vez.
“Antígone” é, talvez, escrita com ainda maior maestria, e nos apresenta a uma impressionante heroína, que se rebela contra o poder do Estado para fazer valer o que manda seu coração. Desafiando a ordem do tirano Creonte, a desditosa Antígone, filha de Édipo, dá ao irmão morto os ritos fúnebres que ela considera seu dever sagrado proporcionar. O que acontece a seguir, como não poderia deixar de ser, é pura tragédia.
Essa edição da Ediouro encerra com “Prometeu Acorrentado”, de Ésquilo, antecessor de Sófocles e que, junto com Eurípedes, compõe a magna trindade dos autores trágicos. Sempre me intrigou a escolha dessas três peças em particular. Se era para apresentar três tragédias gregas, por que não “Édipo em Colona”, fechando a maravilhosa trilogia de Sófocles? Ou então por que não colocar alguma tragédia de Eurípedes no lugar de “Antígone”, para ter uma de cada?
Nessa releitura, me intrigou também um detalhe, que não lembro se notei das outras vezes (pelo menos duas) que li essa edição: por que em “Prometeu Acorrentado” temos as divindades do Olimpo apresentadas com seus nomes romanos? Por que Júpiter, Vulcano e Mercúrio, e não Zeus, Hefesto e Hermes?
Um aprendizado inesperado ficou por conta do prefácio do tradutor, J. B. Mello e Souza. Esbanjando erudição e sapiência, ele fez questão de fazer uma citação em francês e outra em latim (como se não bastasse já ser tradutor de grego clássico!). Contudo logo em seguida, ao citar um antigo sacerdote egípcio, teve que se valer do bom e velho português. Foi precioso o aprendizado: sempre que tentamos exibir nossos conhecimentos, tornamos mais evidente nossa ignorância, pois aquilo que sabemos sempre será uma partícula ínfima daquilo que não conhecemos. Não por acaso, de minhas leituras anteriores, a única recordação que havia ficado desse erudito prefácio foi justamente o trecho em que o tradutor zoa a erudição de um colega seu, que tentando ser o mais fiel aos termos gregos, tascou expressões impagáveis como o “velocípede Aquiles”!
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