spoiler visualizarskuser02844 26/05/2023
O HORROR ANTOLÓGICO DE NOITE NA TAVERNA
Álvares de Azevedo tornou-se um dos escritores mais conceituados da literatura brasileira, o ultrarromântico que faleceu de tuberculose aos vinte anos. Em sua curta passagem, seus livros obtiveram sucesso após sua morte, esse reconhecimento póstumo o consolidou como um dos maiores literatos do século XIX. Nesse texto, discorrerei acerca de sua epopeia fantasmagórica, "Noite Na Tarvena". O exemplar tomado como base para esse texto é a versão editada pela L&PM Pocket.
"Noite Na Tarvena" é uma reunião de contos sombrios ao fim de uma orgia numa taberna. Um grupo de jovens devassos expõe relatos tenebrosos sobre o passado, o primeiro capítulo acentua os seus arrependimentos e as desilusões relacionados à vida dos bêbados. No prólogo, Azevedo grafa o gótico em sua escrita, as discordâncias entre seus personagens e o fardo violento carregado por eles. O bando de embriagados é composto por Solfieri, Johann, Bertram, Claudius Hermann, Gennaro, Archibald e Arnold.
Nos próximos capítulos, ao aflorar da noite, as lembranças passadas surgem como a luz do amanhecer. Em Roma, Solfieri apaixona-se por uma "mulher fantasma", baldado no seu rosto pálido e choroso, se vê observando-a em plena necrópole, apagou-se e, no outro dia, avistou o vazio, a figura esbranquiçada já não estava mais lá. O personagem retorna as noitadas no centro da Itália, nesse conto de Solfieri, Azevedo desmistifica o romantismo clássico, o amor pelos pequenos detalhes, o carnal é o centro da paixão, uma ilusão de amor que vislumbra-se pelo choque dos corpos.
Uma outra característica pertinente em "Noite Na Tarvena" são as referências à literatura, sejam citações de "Hamlet", ou o poema "Don Juan", escrito por uma das inspirações de Azevedo, Lord Byron. O contexto do período, em que o "Mal do Século" atingia a maioria dos artistas, o tom depressivo dos trechos de Azevedo refletem-se na sua época. Voltando ao capítulo de Solfieri, a obsessão do personagem pela moça morta cresce, ao ponto do rapaz consumar relações com o cadáver, a necrofilia. Há atrocidades como essa em todos os relatos, no de Bertram (o ruivo dinamarquês), o moço apaixona-se por uma gaditana, Angela.
A jornada de Bertram vai desde essa paixão proibida até uma luta em um bote em pleno mar aberto, onde desenrola-se a luta entre o protagonista e um almirante, quem vir a falhar na batalha vai servir de refeição para o vitorioso faminto. A passagem de Bertram revela por sua vez a falta de pudor do personagem e a sanguinolência referente a situação, há uma reflexão de Bertram em relação ao quanto todas as belezas do corpo humano e da trajetória de cada indivíduo pode ser ignorada pela fome. Obviamente, com os títulos mencionados, percebe-se que o nome dos narradores nomeiam os capítulos, na próxima narrativa, os acontecimentos da vida de Genaro vão ser ditados.
Nesse capítulo, o pintor Genaro, relembra os meses em que foi aprendiz de Godofredo Walsh. O rapaz acaba se apaixonando pela esposa de seu mestre, a bela Nauza. Esse breve trecho do livro tem um teor absurdista e uma conclusão abrupta como uma tragédia grega. As interrupções na fala dos narradores dão uma sensação de realidade para uma conversa numa mesa de bar. Na sequência, o assíduo apostador Claudius Hermann, contará para os amigos de orgia, a série de loucuras que fez com a esposa do duque Maffio, Eleonora. Hermann admirava secretamente Eleonora, quando consegue o acesso ao quarto da duquesa, observava a moça despir-se. Nesses trechos o autor coloca seu personagem como um voyeur.
O capítulo de Hermann é um dos mais longos do livro, os intervalos por discussões sobre o significado da poesia, põe metalinguagem na obra, a própria erudição dos personagens de Azevedo corrobora esse estilo. O término do relato tem a tragicidade aplicada aos desfechos de capítulos anteriores. Há um suicídio duplo e totalmente brutal, esses encerramentos pessimistas eram marca da corrente ultrarromantica. Vale destacar que "Noite Na Tarverna" não teve uma boa recepção na época que foi lançado, isso se justifica pelo peso de alguns momentos do livro. Entre esses, no antepenúltimo capítulo, contado por Johann, há requintes de crueldade do narrador.
Nesse trecho, Johann disputava uma partida de bilhar contra um rapaz loiro chamado Arthur. Em certo momento na partida, Johann erra uma tacada por conta de uma interrupção dele, depois disso o protagonista desafia o oponente para um duelo de armas. Com essa premissa, Azevedo choca o leitor da época com uma reviravolta que circula em torno de uma relação incestuosa, o horror do livro mostra-se atual até os dias de hoje, que dirá no século XIX.
O epílogo de "Noite Na Taverna" reúne atributos que lembram a peça "Romeu e Julieta" de William Shakespeare. A dramaticidade do romance entre Giorgia e Arnold conciliam-se com os dois personagens de Shakespeare, e o final é basicamente o mesmo. Nos sete capítulos aqui citados, observou-se o horror dos contos criados por Azevedo. O escritor foi um transgressor para seu tempo, com o gênero do terror, explorou temas chocantes e referentes à psique humana. Assim, "Noite Na Taverna" reuniu as mais diversas barbáries em uma obra atemporal, o suspiro empoeirado de um autor que partiu cedo.