Lucas Rabêlo 06/04/2023
Miríades da decomposição
Álvares de Azevedo viveu como fosse o último romântico, e morreu assim. O Romantismo, caracterizado como uma das correntes literárias mais expoentes, encontrou em Álvares grande representante no Brasil. Marcado por escritos que tinham em seus limiares a melancolia, o pessimismo, o rebuscado. Foi taxado de “mal do século” em virtude de suas demandas pesarosas, além do acometimento da tuberculose como a doença do momento; seus artistas expiravam como suas obras, de modos trágicos.
Apesar de hoje sua aventura pelo fantástico ser inferior a trabalhos universais na temática, a coragem de Álvares é notável. Bebendo da fonte de Byron e Shelley, incorpora em sua performance, e consequentemente no país, à alusão ao fantasioso. “Noite na Taverna” reúne alguns elementos que podem ser dignificantes por vir de uma autoria nossa, mas insere os exageros da escola europeia.
São cinco histórias, cercadas em começo e fim por espécie de capítulo introdutório e um epílogo. Cinco homens, reunidos no fim de expediente numa taverna, decidem, bêbados, externarem suas desgraçadas pregressas em formatos de narrativas de horrores. Aí a genialidade de Álvares: com seu quíntuplo de protagonistas, discorre pela boca de cada um feitos que os atormentam como se fossem simples contos isolados no intuito de barbarizar, em frustrações sinceras da alma. Porém, todos foram construídos em prerrogativas dos mitos europeus – cada historieta é ambienta em uma região do Velho Mundo; as exposições de cada homem mais parecem crises internas disfarçadas pelas composições escabrosas, assim como dramatizavam os autores à época, pesando em seus personagens uma complexidade existencial; em todas, há uma musa enternecedora e sedutora para os anti-heróis, que justificam por elas suas motivações desenvolvidas, quase sempre, para um mal que nunca os conformou.
Na tradição de contar-se histórias no modelo ocidental, Álvares faz um rodízio para cada homem, Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann, expressarem as suas missivas de mau gosto. Virão mortes, antropofagia, estupro, incesto, erotismo, dado os componentes que integravam esses locais, trabalhadores, sempre do sexo masculino, vangloriando-se mascarados pelo álcool a serem os maiores sofredores do gênero, mesmo assumidamente libertinos. Evidente também a posição do estabelecimento, visto que tavernas consistiam na recreação básica dos grupos sociais mais baixos, um cenário de expiação.
Álvares, enquanto pôde, reascendeu a retomada de nossa literatura, indispondo-se do indianismo, para alertar sobre a nova concentração do mundo, voltado ao individual, em detrimento do sentimentalismo idealizado, não idílico, mas catastrófico, em que à luz da última parte, surpreendente, por sinal, em ligação ao contador mais miserável, Johann, encerre dois amantes em um cadafalso punitivo sem volta, no pretexto da morte como libertação. Qual outra saída? Amor demais, diziam os românticos...