Pandora 14/07/2024Álvares de Azevedo viveu somente 20 anos, infelizmente, mas nos deixou obras importantes como Lira dos vinte anos e este Noite na taverna. Inteligente, estudioso, poliglota, era estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, curso que não chegou a terminar. Suas obras foram publicadas postumamente por seu pai, que também havia estudado na mesma faculdade.
Escritor da chamada 2ª fase do Romantismo, o ultrarromantismo, Álvares de Azevedo era também poeta e teve influência, entre outros, de Lord Byron, poeta britânico e uma das figuras mais importantes do Romantismo.
“Natália Santos acredita que um conjunto de fatores fez com que Azevedo mantivesse um legado importante na literatura brasileira, mesmo com vida e obra tão curtas. Ela cita o alvoroço em torno da morte prematura e a publicação póstuma de suas obras financiadas pelo pai, o que pôde torná-lo conhecido. Além disso, a variedade estilística e temática e a experimentação, além de inovações estéticas, como a ‘binomia’, (presença de duas consciências poéticas autônomas) em Lira dos Vinte Anos, fizeram com que o poeta fosse alvo de muitas pesquisas acadêmicas.” [1]
E do que trata Noite na taverna?
São uma série de histórias contadas por um grupo de amigos (Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann) reunidos numa taverna, já em hora avançada. As mulheres estão adormecidas, os homens muito bêbados; neste clima, eles se sentem à vontade para narrar casos escabrosos dos quais fizeram parte… Há abusos e violências de todos os tipos, especialmente contra mulheres.
Azevedo escreveu este livro sob o pseudônimo de Job Stern. Toda a ambientação é europeia, dos lugares aos nomes dos personagens. Castelos, navios, naufrágios, raptos, nobres, piratas… tudo isso se distanciava do cenário insosso e depressivo, que era, na opinião do escritor, a cidade de São Paulo.
“Nunca vi lugar tão insípido, como hoje está São Paulo. Nunca vi coisa mais tediosa e mais inspiradora de spleen.” [2]
Além disso, como observa Ana Rüsche, no posfácio, “o deslocamento físico das narrativas de Azevedo para a Europa, incluindo navegações, não seria uma mera busca de lugares mais ‘ilustrados’, mas esconde a fabulação mais profunda sobre as origens do pesadelo real, quando todo tipo de crimes e violências proibitivos na metrópole era cometido no território colonial em prol da acumulação da riqueza daquela mesma metrópole. Afinal, se fosse em território colonial, a bravata não teria graça, pois seria verdade”.
Uma característica importante neste livro é a narrativa. Com que cara de pau estes homens discorrem sobre situações absurdas e suas atitudes abomináveis! A escrita pode ser um desafio, pois preserva o estilo lírico e a época do autor. Além disso, questões existenciais e filosóficas contrastam com a dureza dos temas.
Inicia-se assim:
“- Silêncio! moços! acabai com essas cantilenas horríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?”
Há que ser um crápula, mas um crápula erudito!
Aliás, difícil escolher a história mais terrível, mas acho que Bertram abocanhou o troféu.
[1] Natália Santos, doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em artigo de Pedro Fuini para o site da referida faculdade.
[2] Do posfácio de Ana Rüsche, nesta edição da Carambaia.