Polly 12/08/2022
Madame Bovary: uma longa fofoca sobre uma dona de casa da classe média entediada com a própria vida (#180)
Madame Bovary me deu a impressão de que não iria acabar nunca. Quanto mais eu lia, mais páginas pareciam brotar no livro. Foi uma daquelas experiências em que o livro é bom, mas seus personagens são detestáveis. Então, sua cabeça fica confusa para decidir se gosta ou não da leitura. No fim, gostei mais do que detestei.
Flaubert escreve com o encanto dos europeus do século XIX, entretanto, este é o livro que inaugura o Realismo na literatura. Seus personagens não são mais mocinhos e mocinhas virtuosos injustiçados, nem sua narrativa é épica como no Romantismo. A narrativa se detém em personagens incompletos e não hesita em mostrar o pior lado desses. Nada de fantástico acontece durante a história. É o dia-a-dia puro e simples de uma pessoa comum que nos é contado e nada mais.
Emma, inegavelmente, é vítima do machismo do seu tempo. Sua infelicidade vem da sua impossibilidade de escolha, da sua falta de liberdade. A única possibilidade que restava na vida de uma mulher (da classe média) era cuidar da casa, do marido e dos filhos. Porém, nada disso a preenchia e o não poder escapar dessa vida faz Emma enlouquecer. Mas, por que eu acho Emma detestável se ela é apenas uma vítima? Porque ela sofre pelos motivos errados. Emma acha que o que falta em sua vida são sentimentos intensos, luxo e futilidades. Quando na verdade, ela só precisa de liberdade e de se ver e ser vista como GENTE, já que mulheres historicamente sempre foram vistas como “o outro”, um pedaço incompleto do outro, ALGO que é de ALGUÉM.
A vida de Emma é triste. As escolhas que ela “faz” são desastrosas e só a afundam ainda mais em uma infelicidade desesperadora. Os homens que passam em sua vida ou são completos babacas ou são desinteressantes e entediantes. É aflitivo ler as páginas do livro e saber que não existe saída para personagem dentro daquela realidade e é, em certa medida, desencorajador ver a maneira vil com que a personagem trata todos os seus dilemas.
Ao começar a ler, minha expectativa era gostar muito mais do livro, mas uma barreira enorme se prostrou diante de mim: seus personagens indecorosos. E a despeito de meu livro preferido também ter essa característica, eu tenho um argumento para me defender: diferentemente de em Madame Bovary, em O Morro dos Ventos Uivantes, os personagens são conscientes dos seus defeitos morais e dos motivos pelos quais sofrem. E isso, sinceramente, faz uma enorme diferença.
Enfim, acho que vale a pena a leitura, embora seja provável que você passe umas raivas aqui e acolá.